#CADÊ MEU CHINELO?
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
P2K
# agência pirata #
A História Social do MP3
txt: Eric Harvey
tradução: coletiva
para classificar até agora durante o século 21, certamente nesses últimos tempos nos concentramos muito em duas das maiores estrelas do século 20. Décadas após seus respectivos picos de popularidade, acontecimentos recentes nos lembram que nem os Beatles nem Michael Jackson afrouxaram o domínio sobre a nossa imaginação. No entanto, notei algo especial na nostalgia envolvendo as mais recentes (e provavelmente últimas) reedições do CD dos Beatles e da súbita morte de Jackson: um sentimento de resignação de que as eras em que ambas as estrelas surgiram muito provavelmente não se repetirão. Os Beatles, em 1963-64 e 1967, e Michael Jackson em 1983-4 indiscutivelmente simbolizam para a música pop o que as Copas do Mundo, as Olimpíadas e os Super Bowls nos EUA significam para os esportes, e o que os grandes sucessos comerciais de verão representam para o cinema: a capacidade de dominar a atenção de todos ao mesmo tempo.
Os capítulos mais recentes destas duas longas histórias do pop não apenas celebraram seu impacto sobre a arte e a cultura pop, mas também – com Michael Jackson chegando postumamente ao topo das paradas e milhões se preparando para pagar caro mais uma vez por novas cópias de Revolver e mais – comemoraram o ritual de pagar por isso. É uma forma de enquadrar esses eventos que só poderia acontecer agora, em um momento em que mp3 e redes de compartilhamento de arquivos permitiram que milhões de diferentes colaboradores globais criassem a maior economia paralela na história – que corroeu a indústria da música como cupins na fundação de uma casa velha. Em seu lugar, uma infra-estrutura instável, que criou infinitas novas demandas para a nossa atenção, mas ainda instável demais para apoiar superstars que conquistam o mundo. Todos nós lemos os artigos e editoriais que lamentam as decisões ruins da indústria fonográfica e seu modelo de negócio em colapso, o fato de que os jovens não dão mais valor à música e as estratégias ultrapassadas usadas para tentar reconquistar clientes pagantes. Essas discussões tornaram-se tão onipresentes, na verdade, que é possível que os últimos 10 anos possam vir a se tornar a primeira década da música pop a ser lembrada pela história pela sua tecnologia musical, em vez de pela música propriamente dita.
Este é um pensamento punitivo, mas ao mesmo tempo temos que ter cuidado para não esquecer como as tecnologias que inventamos para entregar música também trabalham para moldar a nossa percepção dela. Quando o rádio surgiu, os seus programas criaram comunidades de ouvintes estranhos uns aos outros, fisicamente distantes mas conectados pelo conhecimento de que eles estavam ouvindo a mesma música ao mesmo tempo. Se o rádio uniu os ouvintes como um público, o LP começou a dividi-los. O LP e o formato 45rpm levaram o fonógrafo, que existia há mais de meio século, para as massas, bem no momento em que a classe média americana estava indo para os subúrbios e privatizando suas vidas. Podia-se então usar objetos musicais da mesma forma em que a literatura e a arte haviam sido usadas por muitos séculos: como itens de coleção e sinais de gosto pessoal. O surgimento da fita cassete – a primeira tecnologia resistente e regravável da música – permitiu-nos “fabricar” a nossa própria música na privacidade de nossas próprias casas e recirculá-la conforme nossa vontade, através da troca de mixes e de cópias de álbuns inteiros. No início dos anos 80, gravar em casa havia se tornado o mais recente bode expiatório de uma indústria que tentava atribuir a culpa da queda de suas fortunas à delinquência dos consumidores, em vez de a seus próprios gastos excessivos.
A “crise” da fita cassete parece obsoleta quando comparada com o surgimento do mp3. Primeira tecnologia de entrega de música em massa a surgir longe do controle da indústria, os arquivos mp3s, circulando através de peer-to-peer, entre outros caminhos escondidos a olho nu, realizou a tarefa radical de separar a música da indústria da música, pela primeira vez em um século. Eles têm facilitado o surgimento de uma enorme infra-estrutura pirata; ideologicamente separada da estrutura oficial, mas alimentando, multiplicando e distribuindo seus produtos livremente, sem seguir as regras obsoletas do intercâmbio capitalista. O capitalismo não desapareceu, é claro, mas os mp3s ameaçaram seriamente seus hábitos e rituais dentro da cultura musical. Não há nada inerente ou natural em se pagar por música e a circulação de mp3s através de redes ilegais reafirma a música como um processo social movido pela paixão, e não pela lógica do mercado ou de direitos autorais. Ao mesmo tempo, a Internet libertou amplamente a música de seu status de mercadoria bem-embalada e abriu um reino de trocas livre, permitindo também que esses novos e excitantes rituais sejam bem rastreáveis. Da mesma forma que o Facebook visualmente representa “ter amigos”, compartilhar mp3s através de redes P2P quantifica a vida social online da música ao traçar seu caminho. As rotinas sociais que ocorrem em torno da música on-line são dados visíveis – o que os torna muito mais suscetíveis aos estatutos de propriedade intelectual do que no caso de fitas cassete ou CDs.
Estas mudanças são parte de uma mudança econômica e social que é tanto revolucionária no âmbito de aplicação e potencial, mas também dependente de idéias muito tradicionais de interação e de produção. No século 19, a Revolução Industrial afastou as sociedades ocidentais de seu modo de vida agrária, afastando a pessoa comum dos meios de produção, e introduziu o que viria a ser chamado de “modernidade”. No final do século 20, a Internet rapidamente fez esta fase da comunicação e da economia parecer exótica e distante. Esta última mudança – você pode contar aos seus netos que você viveu durante esse tempo – abre a possibilidade de criar e distribuir livremente cultura, com a idéia de atingir uma audiência global. Comparado com o modelo um-para-muitos do século passado, o atual, que ainda está tomando forma, nos dá a capacidade – talvez até a necessidade – de colaborar, criar, organizar e falar a verdade ao poder de forma barata e fácil. Tecnologicamente, isto é futurista. Em termos do que pode assegurar à organização social, as raízes são pré-modernas, até mesmo antigas.
No entanto, não vamos nos deixar levar. Várias forças teriam de se juntar para qualquer tipo de revolução acontecer. Mais provavelmente, irá demorar um pouco, como aconteceu com o rádio e o fonógrafo, para os mp3s estabilizarem e chegarem a um ponto em que as velhas formas de fazer as coisas aprendam com as novas ferramentas. A confusão deixada pela música digital gratuita – uma indústria em colapso, o surgimento de uma nova geração de crianças com uma noção muito diferente do “valor” musical do que seus pais, um subconjunto desse conjunto com gostos mais ecléticos do que uma adolescente deveria ser capaz de ter e uma onda de ações judiciais que vão parecer cada vez mais surreais e ridículas com o passar do tempo – vai demorar um pouco para conseguir colocar as coisas de volta em seus lugares e limpar a bagunça.
Esta é a nossa tentativa de levantamento dos prejuízos, avaliar os ganhos e tentar colocar a primeira década completa do formato mp3 em perspectiva. Tenha em mente que o mp3 é uma tecnologia radicalmente nova e não um meio musical diferente: o mp3 ainda é “música gravada” – que não vai mudar até que a Apple crie o iBrain – mas é música gravada que se movimenta de forma muito diferente. Como resultado, o mp3 abriu vastos novos horizontes para a música ao longo dos últimos 10 anos – como podemos descobri-la, o valor que damos a ela e como nós nos vemos ligados a outras pessoas por ela – horizontes que tanto se afastam como constroem sobre as inovações que vieram antes. Tudo ainda está confuso no momento, mas não vai ser assim para sempre – daqui há algumas décadas provavelmente estaremos com saudade da década do mp3.
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