O Futuro da Nação
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txt: Tiago Jucá Oliveira
A humanidade está cercada de vícios. Todos nós temos algum tipo de consumo cotidiano, sejam eles legais ou não. Uns desafiam a lei pra cheirar, fumar, tomar e injetar suas drogas prediletas. Outros, no entanto, são usuários compulsivos de remédios, chocolates, igrejas, cigarros, novelas e... coca-cola. E talvez não exista no mundo produto mais consumido do que esse líquido preto de fórmula secreta. Quem nunca tomou um gole sequer da bebida ícone do capitalismo? Você? Não minta que é feio!
Mas, por que? Somos vítimas da propaganda diária, onipresente e constante da coca-cola? Ou somos refém do sabor inimitável? E como um produto pode ser ao mesmo tempo tão amado e odiado, tão usado e evitado? Aquilo que a sociologia define ser “esquerda”, no espectro ideológico, é, sem dúvida, o grande inimigo do refrigerante. O acusam de poluir águas, explorar mão de obras infantis, monopolizar o consumo, elaborar mensagens subliminares, etc. Se duvidar existem até provas, relatórios e o escambau para abrir os olhos da rapaziada.
O problema, nesse caso, é que o discurso politicamente correto soa contraditório. Se tudo que causa danos a nossa saúde, à sociedade e ao meio ambiente, ninguém mais andaria de carro, comeria carne, compraria livro. Transar com camisinha... nem pensar, pois além do preservativo em si, há pelo menos duas embalagens de plástico para jogar fora antes de você cobrir o pinto. Mais do que contraditório, é chato pra cacete ficar ouvindo qualquer ladainha. Se a intenção fosse somente informar os malefícios do produto, tudo seria mais assimilado. Num mundo de livre opiniões, é normal e válido expor os pensamentos. Porém o policiamento ostensivo é o grande defeito da esquerda marlborista. Cada um de nós deve ter consciência do que consumimos e de suas consequências. E não um policial dos bons costumes azucrinando no que devemos ou não fazer. Ou então começar a liçao no quintal de casa, lá na China comunista, onde mais de um bilhão de pessoas tem todo direito pra beber coca-cola e nenhum pra reclamar.
Somos os filhos da revolução
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Renato Russo já havia eternizado a principal característica de nossa geração, que “desde pequenos comemos lixo comercial e industrial”. A coca-cola é o melhor lixo produzido nos últimos cem anos. No entanto, não é só o inigualável sabor que nos fascina. Ninguém até os dias de hoje soube unir o intangível do sabor, da sensação e da marca com o tato da garrafa e de seus itens marketeiros. Crescemos juntando tampinhas para trocar por ioiôs e mini-garrafinhas (que os amiguinhos mais sem noção não resistiam e bebiam sabe-se lá o que). As campanhas publicitárias, na maioria das vezes, são de um refinado acabamento e indução ao consumo e idolatria. Sempre coca-cola, emoção pra valer, e outras pérolas tão simples e claras, e, paradoxalmente, envolventes. A própria garrafa vazia, com suas curvas pegajosas, é um monumento.
Porém saco vazio não fica em pé. De nada adiantaria a propaganda se o produto fosse uma baré-cola. O fato é que o lixo dos lixos é um luxo. Para uns é remédio que cura ressaca, caimbra, dor de cabeça e outros males. Se há 30 anos uma garrafa de um litro satisfazia toda família na feijoada de domingo, hoje todo dia é de encher a geladeira com as pets de, por enquanto, três litros. O vício aumentou e seu consumo parece estar desenfreado, descendo a lomba em ritmo alucinado. Mais alucinante quando era misturada com cachaça e formar o famoso tubão, a tal bebida da revolução, que nossos guerrilheiros escondiam do policiamento da pepsi, na tentativa de enlouquecer durante as noites de algum fórum social realizado em Porto Alegre nos últimos anos.
Você não tá entendendo nada do que eu digo?
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Nenhuma marca de qualquer produto que seja foi tão cantada que nem a preta bebida. O mito se faz também por quem o consome. E principalmente por aqueles que o imortalizam. Se “você traz a coca-cola”, o mano Caetano toma, antes de você botar a mesa. Ou a titânica e non sense “ babi índio enjoy selva coca cola”. Nara Leão também já cantou sobre a pérola negra: “laranja da terra, coca-cola da China”.
Uma outra vertente trocou o chiclete com banana de Gordurinha, pioneira alusão á fusão cultural entre brasileiros e americanos, por uma outra mistura de sabores conceituais. Um exemplo disso é a letra de “Caboco.com.br”, de Erivan Araújo, Mário Filho e Naldinho Braga. “Caboco me dê seu e-mail ligeiro / Vamos navegar na mistura com-fusão / Vou mandar rapadura made in nova york / Me mande mc´donald com carne de bode / É coca-cola, é cajuína”.
No mesmo estilo de mistura maluca encontra-se a composição de Arleno Farias, “Coca Cola com Cocada”: “E nessa fusão de coca-cola com cocada / Descriminação cultural não tá com nada”. Um novo gênero musical, o “coke bit”, a incentivar a junção anteriormente propagada por Pixinguinha, Jackson do Pandeiro, Novos Baianos e Chico Science, porém com outros elementos.
Somos burgueses sem religião, o futuro da nação
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A lendária banda A Barata Oriental, do dharma lover Nenung, brincava com a bebida no final dos anos 80. “Coca ou cola, é só questão de nível social / cola ou coca, tudo se cheira igual”. E dá barato sim. É o grande e legitimado e combatido e idolatrado vício de nossa geração. No Brasil o caso se acentua pela antropofagia cultural que está no DNA da nação. Criamos o caminho inverso, do qual ainda não sabemos o significado das consequências.
A Legião Urbana sabia disso. Queria isso. Ao rivalizar nosso costume contra nossa vocação antropofágica, Renato Russo conclamou após os goles de coca-cola de seus contemporâneos: “Mas agora chegou a nossa vez / Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês”. Nem mesmo o inventor da coca-cola imaginou o vômito azedo de uma ressaca secular. Quem não a coca aí na geladeira, que atire a primeira pedra!
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