Protestos exitosos, hoje em dia, exigem mais do que ações políticas, exigem ações estéticas. O discurso político torna-se cada vez mais um discurso imagético, interessado em passar uma imagem ao invés de um conceito. É preciso que se pense primeiro em qual imagem se quer passar, para em seguida, definir quais atos se deve praticar.
Contexto
Há poucas décadas atrás os indivíduos eram meros espectadores, sua tarefa consistia em "espectar", isso é: assistir, observar determinado conteúdo; cabendo-lhe tão somente a escolha entre receber as informações deste ou daquele veículo de informação, integrante de um vasto universo composto por meia dúzia de grandes veículos. As informações não eram compartilhadas por uma rede de pessoas, mas, destinadas a núcleos dispersos que não necessariamente interagiam entre si (casa, vizinhança, trabalho, círculos de amizade). Com isso, tínhamos indivíduos extremamente atomizados recebendo informações em separado, através da TV, jornais, revistas semanais, com pouca ou nenhuma abertura para o debate ou a participação direta do espectador no conteúdo veiculado.
Ora, para motivar e controlar sujeitos isolados, a autoridade e a polícia tornaram-se poderes secundários, bastava entretê-los, excita-los, amedronta-los, e ao mesmo tempo, bombardeá-los com informações irrelevantes ou intencionalmente direcionadas. Assumindo esse papel, os grandes veículos de informação, voluntariamente ou não, acabavam por fazer o papel antes desempenhado pelo estado, sob o discurso da segurança nacional, a saber, silenciar as vozes dissonantes, despolitizar a população, ridicularizar os movimentos sociais, deslegitimar e desmobilizar protestos. Com isso, as grandes causas políticas, em sua maioria, saiam das ruas e adentravam nos gabinetes, ganhava o governo, garantiam seus monopólios os veículos.
Hoje, com a internet, e especialmente com as redes sociais, permanecemos indivíduos atomizados, mas, conectados entre si, compartilhando e recebendo informações que são filtradas por nosso circulo de afinidade. Possibilitando, com isso, a reunião de vários indivíduos em torno de uma única questão, independente de fronteiras geográficas, culturais ou temporais. As informações passaram a habitar em nuvens virtuais que podiam ser compartilhadas, possibilitando a troca de informações entre diversos grupos e segmentos da sociedade, de modo livre e instantâneo, sem intermediação ou moderação, seja do governo, seja dos veículos de informação, seja de fatores familiares, religiosos ou culturais.
A internet forneceu as condições necessárias para a criação de meios alternativos de informação, capazes de rivalizar com os grandes veículos de comunicação de massa. Permitindo que questões até então silenciadas pelos veículos viessem à tona. Oferecendo o espaço ideal para que essas questões fossem articuladas e debatidas em uma escala sem precedentes.
Nesse sentido, as imagens tornaram-se mais importantes que os conceitos, uma foto ou uma caricatura tornaram-se mais eficazes do que a retórica de um discurso. A internet ao possibilitar, através de imagens, a desconstrução do discurso dos grandes veículos de comunicação, tornou-se, no âmbito da opinião pública, o principal campo de atuação política , cuja principal arma é a imagem.
A imagem como discurso político
Vivemos hoje, mais do que em qualquer outro tempo, imersos na caverna platônica, acreditamos apenas nas sombras que nos aparecem como imagens, só é real o que é visível. Desenvolvemos um idealismo ingênuo que acredita que a imagem é a única forma de representação, com isso, as imagens estão cada vez mais substituindo o papel das palavras na representação do real. Estamos cegos com nossa própria imagem.
Imagem é poder, com uma única imagem se derruba um governo. Antes esse poder era monopolizado pelos grandes veículos, agora, com a internet, tornou-se disponível a qualquer um com uma câmera amadora e uma conexão com a internet. A democratização na produção das imagens possibilitou que indivíduos militantes, atuando sozinho ou em grupos, fizessem frente ao monopólio dos grandes veículos de informação .
Em uma época marcada pelas imagens, os movimentos sociais precisam se tornar audiovisuais. Uma legião de chargistas, fotógrafos e cinegrafistas amadores, despejando conteúdo nas redes sociais, é mais eficiente do que uma legião de cronistas e comentadores despejando conteúdo em blogs. Em nossa cidade temos a oportunidade de construir uma alternativa ao modelo estereotipado de movimento social, de pichações e bandeiras, para performances e terrorismos poéticos. Utilizando as imagens em benefício próprio.
Nossa civilização pensa por imagens, sendo assim, é importante pensar na consequência das imagens, não apenas dos atos. As imagens de bandeiras e entidades partidárias no #ForaMicarla e de depredações na #RevoltadoBusão, prejudicaram mais esses movimentos do que qualquer matéria difamatória veiculada na imprensa - que não foram poucas.
A batalha que não se vence nas ruas
Protestos exitosos, hoje em dia, exigem mais do que ações políticas, exigem ações estéticas. O discurso político torna-se cada vez mais um discurso imagético, interessado em passar uma imagem ao invés de um conceito. É preciso que se pense primeiro em qual imagem se quer passar, para em seguida, definir quais atos se deve praticar.
Nenhum telejornal local veiculou as cenas das duas ocasiões em que o Bp Choque entrou em ação, isso não foi por acaso, imagens de repressão policial a um movimento relativamente pacífico é um ótimo catalisador de revoltas. As imagens que prevaleciam eram as de adolescentes encapuzados, pichando e depredando patrimônio público e privado. Imagens desse tipo devem ser respondidas não com discursos inflamados, nem atitudes hostis, mas com as imagens da repressão policial e das pessoas que tentavam conter tais integrantes, mostrando que se tratava de uma minoria.
A polícia assistiu, com bastante tranquilidade, sujeitos ainda desconhecidos queimarem um ônibus na Bernardo Vieira. Depois que o espetáculo do incêndio cessou e a imprensa se fartou com as imagens, a polícia passou a distribuir balas de borracha em quem não tinha nenhuma ligação com o ocorrido, prendendo de forma truculenta um suspeito apenas "porque estava correndo?". O espetáculo, dessa vez, acontecia longe das lentes. Nenhum veículo expressivo veiculou as imagens dos rostos ensanguentados daqueles que foram feridos, amplamente divulgadas nas redes sociais. Será que para uma imprensa livre essa não seria uma boa pauta?
Pergunto: com todas as imagens que a polícia diz ter recolhido, com a cúpula de inteligência da polícia investigando o caso, cadê os responsáveis? Falo, não dos que tentaram sem sucesso atear fogo, até de maneira esdrúxula, mas aqueles que entraram no ônibus, e em segundos, atearam fogo nele. Desses nenhuma TV ou jornal conseguiu captar uma imagem sequer ? o que é no mínimo estranho. Já as imagens de adolescentes encapuzados colocando a mão na câmera ou pichando ônibus foram fartamente veiculadas.
A verba cada vez maior destinada à publicidade, tanto no âmbito municipal quando no estadual, não busca apenas divulgar o trabalho(?) do governo, mas, acaba se convertendo em um meio lícito de destinar recursos públicos aos grandes veículos privados de informação no estado. O mesmo ocorre com blogs ou portais pouco expressivos que recebem gordos recursos para banners raquíticos. Assim, com fartos recursos publicitários, é bastante previsível que nossa imprensa reagiria aos acontecimentos da forma como reagiu. Faz-se necessário, aos manifestantes, a compreensão de que contrainformação não se combate com gritos de ordem ou cerceamento do trabalho da imprensa, se combate com mais informação.
Quando a imprensa vociferou críticas contra a atitude de integrantes da #RevoltadoBusão, críticas cabíveis inclusive, faltou contextualizar nas críticas, até por princípio jornalístico, a motivação das hostilidades de alguns integrantes com a imprensa, a saber, a relação duvidosa existente entre a nossa imprensa (impressa e audiovisual) com os grupos políticos locais.
Pergunto: o que são os taciturnos adolescentes mascarados, peritos em ameaçar câmeras, em comparação à relação espúria de veículos de informação ? Alguns são concessões públicas vale ressaltar ? Com determinados grupos políticos no estado? É menor o pequeno que aplaude o grande.
Será que a nossa prefeita, atualmente com a pior aprovação da história do Brasil, conseguiria ter sido eleita sem que antes se tornasse uma espécie de Oprah Winfrey natalense? Pode uma concessão pública ser utilizada para produzir candidatos?
Enfim, a internet é uma arma indispensável para agregar indivíduos com pouco ou nenhum histórico de ativismo político, é importante que os movimentos que afloram na capital, não apenas se utilizem da rede para informar e recrutar esses indivíduos, mas também, que possibilitem ou disponibilizem os meios necessários para que eles se engajem e tenham voz dentro do movimento, quando e onde quiserem.
Temos hoje meios tecnológicos que nos permitem coordenar ações e cooptar forças em uma escala sem precedentes. A grande vitória de movimentos como o #ForaMicarla e a #RevoltadoBusão se deu pela utilização de tais meios para arregimentar colaboradores. Entretanto, tais movimentos, foram tímidos em explorar até as últimas consequências o poder efetivo que tais recursos podem proporcionar. Para tanto, é preciso ir além das burocracias das comissões e plenárias, criando muito mais do que deliberando.
#CADÊ MEU CHINELO?
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