::txt::Pero Vaz de Caminha::
Quando fui convidado a assumir o cargo de escrivão oficial da Armada de Cabral, fiquei deveras honrado. Pareceu-me uma tarefa gloriosa: relatar às Cortes de Lisboa o que encontraríamos no caminho para as novas índias. Não confundir com o novo caminho para as Índias. Era razoável vislumbrar que eu me candidatara, naquele momento, a ser o escritor de uma das páginas mais importantes da história da humanidade. Não achei desmedido sonhar com o Pulitzer.
Foi-me entregue a estrutura que pedi, me deram boas condições de trabalho. Não tenho do que me queixar. Mas as coisas não saíram como planejadas. Pelo menos não na cobertura da expedição. Logo depois da nau recolher a âncora, vazaram alguns tuítes que quase comprometeram a empreitada. Num deles, um tripulante perguntava se em Pindorama a voltagem era 110 ou 220. O que fez muita gente duvidar do real coeficiente de aventura que envolvia nossa expedição.
Vi que ia ser difícil tomar conta da situação. Todos que estavam a bordo eram potenciais concorrentes, senão à glória jornalística, à atenção da corte e do povo. Munidos de telefones com câmeras, cada marujo começou a emitir sua versão da expedição. Não deu outra. Em pouco tempo, alguns ganharam fama repentina escrevendo como um Cabral gago. Vai entender as coisas que funcionam nas redes sociais. Outros arrastaram hordas de seguidores simplesmente sacaneando os meus posts. Um engraçadinho propôs a rashtag #lugaresparaprimeiramissa e a partir dali as timelines foram tomadas de todo tipo de sugestão. A que mais me causou graça foi: na Igreja Universal.
Enquanto isso, eu tentava impressionar a corte e a plebe com posts longos, rebuscados e de pífia repercussão. É duro ser oficial. Antes de publicar qualquer coisa, é preciso apurar, conferir as fontes, passar pelo crivo do editor e depois pela revisão. Vocês não imaginam o trabalho que dá publicar uma simples informação objetiva como esta: quarta-feira, 22 de abril: Neste dia, a horas de vésperas, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele: e de terra chá, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome:O MONTE PASCOAL e à terra: a TERRA DA VERA CRUZ. Até esse processo todo se concluir, alguém já te fura dando um check-in no foursquare.
Quando fui abrir minha conta no Twitter, o @caminha não estava disponível. Tive de me contentar com o @caminharealmesmodeverdade. Ficou claro que não seria fácil arregimentar seguidores. O Caminha fake era muito mais divertido e sem compromissos. Propus à Corte promover o sorteio de alguns iPads para mantermos o interesse do público pelo relato oficial nas redes sociais. Mas o rei falou que o momento português não recomenda esse tipo de investimento e que para comprar tais artefatos teria de pedir dinheiro emprestado aos bancos europeus.
De qualquer forma, não tenho muito a lamentar. Um ano que já teve Primavera árabe, tsunami no Japão, morte do Bin Laden, falecimento da Amy, massacre de Oslo, chacina no Realengo, enchentes na Serra Fluminense, crise dos mercados financeiros, rebaixamento da nota da dívida americana, queda do Kaddafi e assassinato da Norma, os relatos da descoberta de uma nova sede para eventos esportivos mundiais não permaneceriam nem 15 minutos nos Trending Topics.
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