#CADÊ MEU CHINELO?
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terça-feira, 18 de outubro de 2011
[agência pirata] A GRANDE CHANCE DE RODRIGO AMARANTE
::txt::Tiago Agostini::
É engraçado: gostar de Los Hermanos hoje em dia virou quase uma vergonha. Perceba em qualquer conversa que aborde o grupo e que envolva mais dos que quatro ou cinco pessoas: automaticamente os detratores falarão mais alto, ridicularizando a banda e seus fãs fiéis. Será inevitável que os dois ou três que gostem do quarteto a defendam, mas geralmente sem muita convicção. Uma situação que pode mudar com o provável lançamento do disco solo de Rodrigo Amarante em 2012.
Convenhamos, no entanto, que nos últimos anos os fãs de Los Hermanos não têm realmente muito do que se orgulhar. “4”, derradeiro disco da banda, era extremamente irregular e mostrava a dupla central criativa cada vez mais distante: enquanto os bons momentos vinham do ensolarado Amarante – como em “O Vento” –, Camelo estava cada vez mais introspectivo – como em “Dois Barcos”. O abismo era tão aparente que os próprios perceberam e, ao se unirem para gravar o quinto disco, em 2007, preferiram separar a banda por tempo indeterminado a lançar um trabalho ruim.
Cada um seguiu seu caminho sem ressentimentos e mantendo a amizade – os shows de reunião, tanto no SWU como abrindo para o Radiohead, mostram isso. Camelo demorou um pouco, mas lançou seu aguardado primeiro disco solo, “Sou”, que comprovou o que todos temiam: as músicas eram ainda mais arrastadas e herméticas que as composições do “4” – em outras palavras, era um disco chato. Ele ainda lançou um “MTV Ao Vivo” que ninguém deu bola e veio com “Toque Dela”, um álbum mais fácil, porém esquecível, no início deste ano. Por mais que ainda mantenha sua relevância na música nacional, Camelo foi mais importante no noticiário nestes anos fora do Los Hermanos devido às comparações com Polanski.
Amarante, artisticamente, também não fez muita coisa. Lançou um disco com a Orquestra Imperial e outro com o Little Joy, além de manter viva sua colaboração com Devendra Banhart. Nada que realmente demonstrasse a que veio: “Carnaval Só Ano que Vem”, o registro da Orquestra, é um belo disco, mas resultado de um enorme trabalho coletivo; “Little Joy”, a parceria com o baterista Fabrizio Moretti, do Strokes, une um monte de musiquinhas bonitas e agradáveis, mas completamente inofensivas.
O disco que deve sair em 2012 é, de fato, o momento em que Amarante mostrará finalmente suas ideias musicais. Não adianta especular sobre como o disco virá: os trabalhos pós-“4” pouco trazem pistas estéticas atuais de Amarante. De acordo com o Mauricio Valladares, no programa Ronca Ronca, da OiFM, o cantor volta ao Brasil no início do ano que vem e deve liberar o disco em março. Uma vez anunciado, porém, ele já se torna um dos lançamentos mais aguardados de 2012.
Afinal, por mais que hoje o grupo seja ridicularizado por seus detratores, o Los Hermanos é a banda mais importante da década 00 no Brasil. Excluindo Emicida, os tecnobregas e o CSS e seus sub-filhotes, absolutamente todo mundo que surgiu no cenário independente após 2001 deve algo ao Los Hermanos. “Bloco do Eu Sozinho” é um marco histórico: foi o disco que fez toda uma geração perder a vergonha de ouvir samba e música popular brasileira.
A revolução involuntária hermânica só foi possível, é óbvio, porque tanto “Bloco” quanto o disco seguinte, “Ventura”, eram duas obras sensacionais – o disco de estreia, homônimo e mais esporrento, também é brilhante –, unindo lirismo com peso e vigor, melodias doces com letras acima da média. Além disso, o quarteto soube criar uma relação íntima e direta com o público, uma equação que gerou fãs tão fieis que as apresentações da banda sempre foram marcadas pela plateia cantando mais alto que a banda.
O culto ainda existe. No show do SWU do ano passado, mesmo separados do palco pela área VIP, os fãs se faziam escutar durante músicas como “O Vencedor” e “Cara Estranho” – os confetes e serpentinas usuais foram poucos, mas estiveram presentes. A claudicante apresentação de Camelo no Rock in Rio deste ano só foi salva por “Além do que se Vê”, uma das grandes músicas de “Ventura”. E, desde o começo do ano, Rodrigo Barba tem tocado o “Bloco” na íntegra com uma banda que inclui os metais da época dos Hermanos e Gabriel Bubu, que acompanhava a banda, na guitarra. Os relatos são de que shows no Teatro Odisseia, no Rio, têm filas enormes do lado de fora. Quem não consegue entrar fica cantando na porta, junto – o vídeo abaixo mostra um pouco da comoção.
Depois do estouro de “Anna Julia”, o Los Hermanos nunca voltou a ser mainstream, mas se tornou a maior banda do underground, sendo responsável direta pelo aumento de público dele. Durante uma conversa no ano passado, Fabrício Ofuji, produtor do Móveis Coloniais de Acaju, comentava a ausência do Los Hermanos do cenário. “Teria sido melhor se eles tivessem continuado. Muita gente parou de ouvir coisas novas quando eles acabaram”, disse, frente à questão de se o Móveis teria “herdado” muitos fãs do quarteto.
Muito se questiona hoje sobre qual o próximo estágio da atual geração do independente brasileiro. Há uma percepção de que o público existe, mas a pergunta é: o tamanho da cena e a popularidade dos artistas são suficientes? Ou é necessário um passo adiante em termos de visibilidade? Mais ainda: como dar esse próximo passo em busca de um público maior? Dependendo da qualidade e do desempenho, talvez a resposta para o dilema esteja no disco solo de Amarante. Agora é esperar as águas de março…
segunda-feira, 10 de maio de 2010
Mostra de Vídeos: Coletivo Catarse e a Cultura livre
O Coletivo Catarse participa do Circuito Cultural O Dilúvio organizando a mostra de vídeos e debate sobre Cultura Livre.
Vídeos: Tecnobrega e a Cooperativa LAVACA. As charges engajadas de LATUFF e a producão cinematográfica nigeriana. Desinformémonos e batuque do Sopapo. A generosidade compartilhada como base da comunicação.
Catarse é um coletivo de comunicadores comprometidos com a construção de alternativas que fortaleçam a cultura e o jornalismo independentes e enriqueçam o debate público em seus temas mais importantes.
Através de um trabalho autoral e engajado, se aproxima de movimentos e organizações que entendem a cultura como um direito humano e a comunicação como uma ação transformadora.
segunda-feira, 15 de março de 2010
DJ CREMOSO
#conection
"Eu faço remix há poucas semanas"
ntrvst: Tiago Jucá Oliveira
clbrç: Ramiro Furquim
Porque Cremoso? É apelido de antes ou é uma referência a cremosidade musical de seus remixes?
É um pouco de tudo isso. Eu pensei muito em uma palavra pra definir o conceito dos remixes e a única coisa mais próxima foi justamente "cremosa".
Pois é, quando ouvi seu som, também notei a cremosidade.
Mas não é uma expressão que eu tenha inventado. Já ouvi outras pessoas usando essa palavra pra alguma coisa agradável mas que não era alimento.
Seus remixes não devem ser bem vistos pelos defensores do copyright. Você tem medo de represálias da indústria cultural?
Não. O máximo que pode acontecer é que eu tenha que tirar do ar. Mas como já foram baixados mais de 40 mil vezes, eu imagino que as pessoas se encarregarão de passar umas às outras. Se eu fosse um dis artistas remixados eu até iria gostar de saber que a ignorância musical e a inclusão digital resultaram em um remix da minha música.
A gente concorda com você. Você faz remix desde quando? Como foi o interesse por tecnologias de recriação musical?
Eu faço remix há poucas semanas. O primeiro remix que eu fiz na vida foi já o de In Bloom. E o interesse foi uma coisa natural, já que era a única maneira de eu conseguir fazer uma música. Eu não toco nada, mas sei colocar as notas com o mouse no programa. Eu realmente inventei (?) uma fórmula no primeiro remix e repito em todos os outros. Os instrumentos são exatamente os mesmos. Eu sequer mudo os volumes.
Poucas semanas? Cacildiz!
É. Vai fazer um mês ainda.
E ta ficando legal. Tem A-Ha, Nirvana, Michael Jackson, Amy Winewouse, etc. Esses artistas é realmente o que você ouve e gosta?
Amy Winehouse eu conhecia mas não gostava muito. Lady Gaga eu nunca tinha ouvido na vida. Eu sou mais velho. Então eu gosto mais das coisas mais velhas. Mas gostei de remixar músicas que eu não gostava ou que não conhecia. A de Lady Gaga tinha que virar tecnobrega de qualquer jeito.
Qual sua idade?
Eu tenho 40 anos. Aliás, completo 40 esse ano.
Há uns 3 anos O DILÚVIO passou a ouvir e acompanhar a música paraense atual com mais sensibilidade. O panorama de remix e tecnobregas é amplo, né?
É culpa da inclusão digital. Qualquer pessoa é capaz de fazer uma música hoje. O outro lado da moeda é que são pessoas que só sabem apertar botões e clicar com o mouse. Acho que a revolução do tecnobrega só aconteceu porque as pessoas usaram as ferramentas de uma maneira que pessoas com instrução musical nunca usariam.
E na sua visão, ainda há preconceito em relação ao tecnobrega?
Há sim. E acho que não vai acabar nunca. Porque há um limite de qualidade que um produto pode atingir quando é feito por pessoas sem instrução musical e no quarto de casa. E também há o duplo sentido cada vez mais explícito nas letras.
Chegou pergunta do twitter feita pelo @outroangulo: Quem não é DJ pra ti?
Isso é complicado. Mas se você mal sabe apertar o play, fica esperando uma música terminar pra colocar a outra, deixa o som parar no meio do set, não doutrina as pessoas com músicas novas ou com clássicos ou soa como um iPod no shuffle, então você não é DJ. Eu não sou DJ. Não sei tocar numa festa. Só me chamam assim porque eu produzo as bases do brega.
Você faz o que nas 'horas vagas' do DJ Cremoso?
Eu pesquiso músicas. E bebo. Os melhores remixes eu imaginei bêbado. Outros remixes estavam travados, aí eu tomei uma e tudo se resolveu.
Cremoso, obrigado por nos atender!
O prazer foi meu.
Baixe aqui > os 13 remix feitos por DJ CREMOSO
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
BRIGA NO BREGA
# agência pirata #
Cópia? Antropofagia? Pilantragem? Salve-se quem puder: a Bahia vai na cola do melody, som brega que o Pará inventou, e causa polêmica, barraco... e reflexão
txt: Pedro Alexandre Sanches
Da Bahia de Dorival Caymmi, da tropicália e da axé music, surgiu neste ano de 2009 uma nova e explosiva moda musical, que percorre o Brasil com velocidade de raio: o melody, mais comumente difundido sob o nome de tecnobrega.
O estado do Pará não tem poder para exportar maciçamente músicas e músicos para o resto do Brasil, mas há décadas a população local tem concedido sucesso e apoio maciço a ritmos nativos pulsantes como carimbó, sirimbó, lambada, merengue, guitarrada, boi bumbá, calipso, brega, brega-calipso. A linha de invenções musicais é contínua e ininterrupta, e o ritmo que há mais de dez anos comanda a massa atende pelo apelido unificador de tecnobrega ou, mais recentemente, melody.
Reúna as duas partes da equação acima e encontre no resultado da remistura o maior quiproquó armado este ano na música (realmente) popular brasileira. Baiana de Capim Grosso, a trupe Banda Djavú e DJ Juninho Portugal (ou simplesmente Banda Djavú, com acento ortograficamente incorreto no “u”, e pronunciada “dejavu”) tornou-se líder de sucesso nacional com hits melody como “Rubi”, “Meteoro”, “Soca Soca”, “Maciota Light” e, acima de todas, “Me Libera”. De quebra, provocou sem querer comoção e revolta generalizadas no Pará, onde nasceram, muito antes, “Me Libera” (composta por Ale Max), “Rubi” (de Marlon Branco) e uma infinidade de outros quitutes tecnobregapop.
“O tecnobrega é do Pará!, não é da Bahia nem do Rio de Janeiro! Mas não é novidade a Bahia vir aqui e levar nossos ritmos, né?”, explodiu do alto do palco, em 10 de outubro passado, o cantor (e drag queen) Eloy Iglesias, mestre-de-cerimônias da profaníssima Festa da Chiquita, encravada no coração dos festejos religiosos do Círio de Nossa Senhora de Nazaré. A multidão que apinhava as cercanias do Teatro da Paz, na Praça da República de Belém, urrou uníssona, em apoio à queixa de Eloy.
Longe de ser fato isolado, o grito de raiva ecoa sem parar pelo Pará, a ponto de virar assunto hegemônico em comunidades virtuais como o portal Brega Pop e mobilizar inclusive setores locais que, até o advento baiano da Djavú, sempre foram hostis a esse estilo musical simples, direto, caboclo, popular, periférico. “Todo mundo me aborda na rua para prestar solidariedade, até quem não gostava do tecnobrega”, surpreende-se a belenense (do bairro popular de Jurunas) Gabi Amarantos, líder da banda Tecno Show, uma das iniciadoras da associação do velho “brega” paraense com sons eletrônicos gerados por sintetizadores e computadores.
Gabi expressa o sentimento provocado pela apropriação do tecnobrega pela Djavú: “A princípio nós todos estávamos muito magoados e revoltados, porque eles estavam dizendo que o tecnobrega é da Bahia. A gente luta pelo ritmo há mais de dez anos, isso criou uma indignação muito grande aqui. A gente se sentiu meio que roubado, como se tivesse semeado e regado uma planta desde o início, aí outro colheu os frutos e ainda disse que são dele”.
Mas a disputa acabou em barraco promovido pelo programa televisivo de Luciana Gimenez, e a partir de então a Djavú moderou o discurso e passou até a afirmar na TV que o tecnobrega não é baiano, e sim paraense. “Acho que sentiram que estavam se prejudicando com isso e começaram a falar a verdade”, avalia o DJ de tecnobrega Dinho do Tupinambá, que mesmo assim mantém erguida a queixa: “É uma deslealdade, todo mundo sabe que é uma música originária daqui. Não tiveram a hombridade de dizer isso em público nos programas nacionais. Até ao contrário, disseram que era música da Bahia”.
São mesmo enormes as semelhanças entre o som da Djavú e o de nomes paraenses como Banda Ravelly, Viviane Batidão, DJ Maluquinho, Banda Richter, Banda 007 e Os Brothers, entre uma avalanche impressionante de artistas. A Djavú adota, por exemplo, o hábito paraense de os artistas se autoanunciarem dentro da própria música gravada. “Banda Djavú e DJ Juninho Portugal, é show!!!”, proclama em tom radiofônico a cantora do grupo, antes mesmo de entoar o primeiro verso do disco O Furacão É Show, que por sobre o cenário de terra arrasada da MPB de 2009 já vendeu mais de 500 mil exemplares, segundo a imprensa local. A exemplo do que acontece nos CDs de coletânea distribuídos pelos camelôs e pirateiros de Belém, a autopropaganda inserida na gravação se repete a cada faixa, e a banda chega a anunciar em meio à música seu telefone de contato (o mesmo número pelo qual tentei contactar a Djavú por dias consecutivos, sem sucesso).
Também nos passos baianos de dança se mistura o código genético paraense. “Dançam tecnobrega como se fosse axé, parecem o Xandy, do grupo baiano Harmonia do Samba, dançando”, zanga-se Gabi. “Não dançam nada certo, parece mais Banda Calypso, que deve ser a referência que eles têm, mas é outra parada”, diz, referindo-se à popularíssima banda liderada por Joelma e Chimbinha, que assumiram as origens paraenses (ela nasceu em Almeirim e ele, em Oeiras do Pará) e foram os primeiros a nacionalizar o tecnobrega. E se tornaram milionária [erro meu, eu queria dizer "milionários"] por isso.
Codiretor do documentário “Brega S/A”, sobre a exuberante indústria informal ao redor do tecnobrega, o jornalista belenense (de Jurunas) Vladimir Cunha contextualiza o caldo de cultura que fermentou o estilo. “Belém é um lugar de passagem e um ponto onde várias culturas se encontram. É entrada da Amazônia e saída para o sul do país e para a Europa, para quem está no norte do Brasil. Uma cidade portuária onde o tráfego de informações sempre foi muito intenso, onde desde os anos 50 se contrabandeavam discos de rock dos Estados Unidos e discos de cumbia, soca e merengue do Caribe e das Guianas. Foi o que possibilitou, por exemplo, a criação da guitarrada e da lambada”, diz.
“Antes de criar a Banda Calypso, Chimbinha tocava em bares de Creedence Clearwater Revival a Pink Floyd e de Odair José a disco music. Como o sujeito cresce ouvindo todo tipo de música, aprende na hora a tocar, criar e combinar esses diversos estilos”, continua. “Essa confusão sensorial e de inputs de informação sempre existiu aqui em Belém e se intensificou ainda mais com a pirataria e o acesso à internet.”
Gabi adiciona mais caldo no tacacá e dá aula de tecnobrega: “Agora usam o termo ‘melody’, mas na verdade é tudo a mesma coisa, é tudo tecnobrega. O pessoal tem vergonha de assumir a palavra, mas é o nosso ritmo, alguém colocou esse nome, paciência. Sempre tive a cara de me assumir. E o que é o brega? É o que você conhece como calipso, e a própria Banda Calypso não assumiu a palavra ‘brega’. Tecnobrega é a versão eletrônica do brega. Para fazer disco de brega calipso era muito caro, precisava pagar estúdios, músicos, instrumentos acústicos. Para baratear, a gente começou a usar guitarra, teclado e baixo dos teclados”.
Pronto, estava criado o ritmo robotizado que nasceu de sintetizadores e computadores caseiros, circula nos camelódromos em cópias piratas sem versão original oficial por trás e alimenta uma indústria informal de equipes de som (Tupinambá, Rubi, Superpop, Vetron, Príncipe Negro e assim por diante) e vertiginosas, ricas, superproduzidas e multicoloridas “festas de aparelhagem”.
O DJ Dinho procura explicar o abandono e o autoabandono dos músicos locais. “As pessoas aqui não levam nada muito a sério, deixam de registrar as músicas. É uma coisa muito amadora, cai logo nas mãos dos pirateiros, que são os únicos que ganham dinheiro com os discos”, afirma, sabedor, no entanto, de que os piratas são os divulgadores primordiais e indispensáveis do tecnobrega.
A líder da Tecno Show sublinha reiteradamente que a terra queixosa não quer desdenhar do sucesso da Djavú. “Não é dor de cotovelo porque eles fazem sucesso, eles têm seus méritos. Os baianos fazem as micaretas, estão anos-luz à frente da gente, admito. Mas fico incomodada porque sou compositora, sou registrada, tenho direito autoral”.
Aqui, chega-se ao ponto nevrálgico da pinimba Pará versus Bahia. Não é possível negar que o incômodo atual nasce, sim, do megassucesso da Djavú, e não do “roubo” propriamente dito. Pois cópia e reciclagem sempre foram elementos inerentes do processo todo. Outro dos refrões paraenses do momento, por exemplo, chama-se “Você Vacilou” (“cabô, cabô/ bobeou, dançou/ você vacilou/ eu tô falando grego?, não tô”) e é apropriação tecnobrega de um hit pé-de-serra pertencente à banda cearense Forró do Muído.
Vladimir se posiciona, definindo o cenário como “caótico, informal e confuso”: “A Djavú roubou músicas de autores paraenses, é um fato. Mas, ao mesmo tempo, uma série de músicas do tecnobrega é roubada. ‘No More Lonely Nights’, do Paul McCartney, virou ‘Galera GDK’. ‘Beat It’, do Michael Jackson, virou ‘O Rei do Pop’, cujo refrão, no lugar de ‘beat it, beat it’, diz ‘é firme, firme!’. Existe uma via de mão dupla, na qual as bandas de forró roubam músicas paraenses e as bandas paraenses roubam forrós que são transformados em tecnobrega”.
Gabi admite a mão dupla. “Existe, sim, isso de alguém vir e gravar um forró em melody. O pessoal faz versão de Roxette, Bee Gees”. No CD Reacender a Chama Vol. 2 (2004), de sua Tecno Show, ela própria é atribuída como autora de “Quero Te Amar”, na verdade uma versão de “La Isla Bonita”, de Madonna. “Já fiz isso de pegar música dos outros, não posso negar. Mas não gosto, prefiro compor as minhas.”
Pelo lado Djavú, a Bahia se vê na condição incomum e incômoda de decalcar um estilo em vez de inventar moda, como fazia ao revelar o samba-reggae de Olodum, a axé music de Daniela Mercury ou o samba duro do É o Tchan. Mas o Pará conhece há muito tempo a pilhagem de suas riquezas. “Os estrangeiros já patentearam o açaí, o Japão patenteou o cupuaçu”, começa Gabi. “Com a lambada foi a mesma coisa de agora, só que naquela época a gente não tinha tecnologia, até para fazer uma ligação telefônica para São Paulo era difícil. Luiz Caldas veio, pegou a lambada e disse que era da Bahia. Depois o [paraense] Beto Barbosa retomou um pouco, mas ele não tinha aquela coisa que o pessoal da Banda Calypso teve, de assumir que é do Pará. Acho que Beto tinha medo, porque o paraense sofria muita discriminação. Para o Brasil, Norte e Nordeste eram a mesma coisa, era tudo ‘paraíba’.”
Mas, diferentemente de vezes passadas, o caso Djavú teve o condão de mexer profundamente com os brios, o orgulho e a autoestima paraenses. “Agora que a mágoa está passando, começo a ver que o mercado está aberto para esse estilo e para novos artistas. Foi bom, porque as pessoas agora estão vendo e dizendo que o ritmo é do Pará. Estou achando muito bacana a reação do paraense”, constata Gabi. “A gente tira proveito também, porque eles deram um boom muito grande para nossa música. Estão divulgando o tecnobrega. Abriram uma janela de divulgação, uma oportunidade para os cantores daqui do Norte”, percebe o DJ Dinho.
Gabi vai direto a outro nervo (quase) exposto da disputa: “É como se fossem ainda os portugueses desembarcando na Amazônia, dando presentinhos. Os indígenas recebendo eles com carinho, a ingenuidade indígena. Depois levam nossas coisas embora e a gente fica ao Deus-dará”.
Vladimir desenvolve raciocínio semelhante: “A elite local tem como hábito escamotear certos aspectos que constituem a identidade do povo paraense. Não gosta de ser ligada ao índio, ao negro, ao povo ribeirinho, ao morador de periferia. Nega seus traços índios, pinta o cabelo de loiro, sonha passar frio e usar casaco. O tecnobrega, a lambada e o melody lembram que existe uma gente ‘feia’, de pele escura, ‘maleducada’, ‘malvestida’ e que ouve essa música dura, sexual, rude e que fere os ouvidos”.
O que parece acontecer de diferente hoje no Pará é que músicos populares e fazedores de tecnobrega descobrem, talvez de modo ainda rudimentar, sua própria responsabilidade em sempre deixar seus pássaros irem piar garbosos em outras freguesias. E começam a tratar-se a si e à sua música de modo inédito, como demonstra, mais uma vez, a fala de Gabi: “O tecnobrega é autêntico. E é uma coisa tão simples, tão idiota, que qualquer pessoa podia ter inventado. Mas não foi ninguém que inventou, foram os papa-xibés.”
Ela tem de decifrar para mim, sulista do Paraná, o que são “papa-xibés”. Pelo que compreendo, são papadores de açaí com farinha, ou seja, paraenses legítimos, pássaros da terra, músicos vigorosos, revolucionadores até hoje mais ou menos silenciosos de modelos caducos da indústria musical brasileira. Parecem começar a se dar conta de que, como cantavam em 1981 o carioca Jorge Ben e a niteroiense Baby Consuelo, antigamente todo dia era dia de índio cá no Brasil. E que, sim, podemos voltar a ser assim, por que não?
O REI DO CARIMBÓ
Foi uma carioca chamada Eliana Pittman quem fez o Brasil conhecer, nos anos 70, o ritmo paraense do carimbó. O país foi embalado por algum tempo pelos animadíssimos sacolejos de “Sinhá Pureza” (“olelê, olalá/ misturei carimbó, siriá/ carimbó, sirimbó é gostoso/ é gostoso em Belém do Pará”) e “Tia Luzia, Tio José” (“a ‘bença’, tia Luzia/ a ‘bença’, tio José/ minha mãe mandou comprar um pouquinho de café”), que tinham como autor um tal de Pinduca. Paraense de Igarapé-Mirim, ainda vivo e atuante, ele está praticamente desconhecido fora da Amazônia, e hoje é cultivado com certa displicência mesmo na terra natal. Se CDs piratas de tecnobrega são encontráveis em cada esquina de Belém, é preciso queimar sola de sandália para encontrar títulos de carimbó.
Pinduca não consta como verbete da “Enciclopédia da Música Brasileira”, mas está em atividade desde 1957, lançou três dezenas de álbuns desde 1973 e é um músico de inventividade e habilidade excepcionais, algo assim como um jazzista à maneira amazônica. Sempre paramentado com um grande chapéu de palha de pescador ornado com miniaturas de artesanato paraense, ele esbanja musicalidade em arranjos tão simples e diretos quanto minuciosos e elaborados de pedras preciosas pop como “Farinhada”, “Dona Maria”, “O Pinto” e “A Dança do Carimbó”.
Mas, tal como ocorre na recente descoberta de um orgulho paraense dentro do tecnobrega, emitem-se agora sinais de um início de revalorização de Pinduca, dentro e fora do Pará. A cantora e compositora Fernanda Takai, da banda Pato Fu, incluiu em show e DVD solo uma versão para “Sinhá Pureza”, possivelmente em diálogo com o fato de, apesar de mineira, ter nascido no Amapá. E neste novembro, entre os dias 13 e 15, acontece o festival musical belenense Se Rasgum, no qual caberá uma homenagem a Pinduca. Ele será uma das atrações do dia 14, e deve ser chamado novamente ao palco para uma versão rock-carimbó de “Sinhá Pureza” ao lado do Pato Fu [p.s.: o Pato Fu tocou mesmo o carimbó, mas o encontro musical acabou não acontecendo].
Já tradicional no circuito roqueiro, o Se Rasgum 2009 vem especialmente diversificado, unindo um sem fim de bandas indies locais a Pinduca, ao Tecno Show de Gabi Amarantos, ao virtuoso Trio Manari [que na hora H cancelou a participação], ao funk paranaense do Bonde do Rolê, ao rock pernambucano de Nação Zumbi...
A mistureba faz lembrar o próprio Pará, e dialoga com as seguintes palavras do diretor de “Brega S/A”, Vladimir Cunha, sobre as intensas trocas musicais a partir do porto de Belém: “Fico pensando o que sentiria um pós-punk metido a sebo ao saber que em Cametá, no baixo rio Tocantins, lavradores, estivadores e pescadores dançavam as mesmas músicas que ele dançava no [clube paulistano] Madame Satã ou no [carioca] Crepúsculo de Cubatão”. O que o pós-punk sentiria não se sabe, mas é bem possível que levasse um baita susto ao ouvir a brasilidade mais-que-perfeita do som do veterano Pinduca.
Cópia? Antropofagia? Pilantragem? Salve-se quem puder: a Bahia vai na cola do melody, som brega que o Pará inventou, e causa polêmica, barraco... e reflexão
txt: Pedro Alexandre Sanches
Da Bahia de Dorival Caymmi, da tropicália e da axé music, surgiu neste ano de 2009 uma nova e explosiva moda musical, que percorre o Brasil com velocidade de raio: o melody, mais comumente difundido sob o nome de tecnobrega.
O estado do Pará não tem poder para exportar maciçamente músicas e músicos para o resto do Brasil, mas há décadas a população local tem concedido sucesso e apoio maciço a ritmos nativos pulsantes como carimbó, sirimbó, lambada, merengue, guitarrada, boi bumbá, calipso, brega, brega-calipso. A linha de invenções musicais é contínua e ininterrupta, e o ritmo que há mais de dez anos comanda a massa atende pelo apelido unificador de tecnobrega ou, mais recentemente, melody.
Reúna as duas partes da equação acima e encontre no resultado da remistura o maior quiproquó armado este ano na música (realmente) popular brasileira. Baiana de Capim Grosso, a trupe Banda Djavú e DJ Juninho Portugal (ou simplesmente Banda Djavú, com acento ortograficamente incorreto no “u”, e pronunciada “dejavu”) tornou-se líder de sucesso nacional com hits melody como “Rubi”, “Meteoro”, “Soca Soca”, “Maciota Light” e, acima de todas, “Me Libera”. De quebra, provocou sem querer comoção e revolta generalizadas no Pará, onde nasceram, muito antes, “Me Libera” (composta por Ale Max), “Rubi” (de Marlon Branco) e uma infinidade de outros quitutes tecnobregapop.
“O tecnobrega é do Pará!, não é da Bahia nem do Rio de Janeiro! Mas não é novidade a Bahia vir aqui e levar nossos ritmos, né?”, explodiu do alto do palco, em 10 de outubro passado, o cantor (e drag queen) Eloy Iglesias, mestre-de-cerimônias da profaníssima Festa da Chiquita, encravada no coração dos festejos religiosos do Círio de Nossa Senhora de Nazaré. A multidão que apinhava as cercanias do Teatro da Paz, na Praça da República de Belém, urrou uníssona, em apoio à queixa de Eloy.
Longe de ser fato isolado, o grito de raiva ecoa sem parar pelo Pará, a ponto de virar assunto hegemônico em comunidades virtuais como o portal Brega Pop e mobilizar inclusive setores locais que, até o advento baiano da Djavú, sempre foram hostis a esse estilo musical simples, direto, caboclo, popular, periférico. “Todo mundo me aborda na rua para prestar solidariedade, até quem não gostava do tecnobrega”, surpreende-se a belenense (do bairro popular de Jurunas) Gabi Amarantos, líder da banda Tecno Show, uma das iniciadoras da associação do velho “brega” paraense com sons eletrônicos gerados por sintetizadores e computadores.
Gabi expressa o sentimento provocado pela apropriação do tecnobrega pela Djavú: “A princípio nós todos estávamos muito magoados e revoltados, porque eles estavam dizendo que o tecnobrega é da Bahia. A gente luta pelo ritmo há mais de dez anos, isso criou uma indignação muito grande aqui. A gente se sentiu meio que roubado, como se tivesse semeado e regado uma planta desde o início, aí outro colheu os frutos e ainda disse que são dele”.
Mas a disputa acabou em barraco promovido pelo programa televisivo de Luciana Gimenez, e a partir de então a Djavú moderou o discurso e passou até a afirmar na TV que o tecnobrega não é baiano, e sim paraense. “Acho que sentiram que estavam se prejudicando com isso e começaram a falar a verdade”, avalia o DJ de tecnobrega Dinho do Tupinambá, que mesmo assim mantém erguida a queixa: “É uma deslealdade, todo mundo sabe que é uma música originária daqui. Não tiveram a hombridade de dizer isso em público nos programas nacionais. Até ao contrário, disseram que era música da Bahia”.
São mesmo enormes as semelhanças entre o som da Djavú e o de nomes paraenses como Banda Ravelly, Viviane Batidão, DJ Maluquinho, Banda Richter, Banda 007 e Os Brothers, entre uma avalanche impressionante de artistas. A Djavú adota, por exemplo, o hábito paraense de os artistas se autoanunciarem dentro da própria música gravada. “Banda Djavú e DJ Juninho Portugal, é show!!!”, proclama em tom radiofônico a cantora do grupo, antes mesmo de entoar o primeiro verso do disco O Furacão É Show, que por sobre o cenário de terra arrasada da MPB de 2009 já vendeu mais de 500 mil exemplares, segundo a imprensa local. A exemplo do que acontece nos CDs de coletânea distribuídos pelos camelôs e pirateiros de Belém, a autopropaganda inserida na gravação se repete a cada faixa, e a banda chega a anunciar em meio à música seu telefone de contato (o mesmo número pelo qual tentei contactar a Djavú por dias consecutivos, sem sucesso).
Também nos passos baianos de dança se mistura o código genético paraense. “Dançam tecnobrega como se fosse axé, parecem o Xandy, do grupo baiano Harmonia do Samba, dançando”, zanga-se Gabi. “Não dançam nada certo, parece mais Banda Calypso, que deve ser a referência que eles têm, mas é outra parada”, diz, referindo-se à popularíssima banda liderada por Joelma e Chimbinha, que assumiram as origens paraenses (ela nasceu em Almeirim e ele, em Oeiras do Pará) e foram os primeiros a nacionalizar o tecnobrega. E se tornaram milionária [erro meu, eu queria dizer "milionários"] por isso.
Codiretor do documentário “Brega S/A”, sobre a exuberante indústria informal ao redor do tecnobrega, o jornalista belenense (de Jurunas) Vladimir Cunha contextualiza o caldo de cultura que fermentou o estilo. “Belém é um lugar de passagem e um ponto onde várias culturas se encontram. É entrada da Amazônia e saída para o sul do país e para a Europa, para quem está no norte do Brasil. Uma cidade portuária onde o tráfego de informações sempre foi muito intenso, onde desde os anos 50 se contrabandeavam discos de rock dos Estados Unidos e discos de cumbia, soca e merengue do Caribe e das Guianas. Foi o que possibilitou, por exemplo, a criação da guitarrada e da lambada”, diz.
“Antes de criar a Banda Calypso, Chimbinha tocava em bares de Creedence Clearwater Revival a Pink Floyd e de Odair José a disco music. Como o sujeito cresce ouvindo todo tipo de música, aprende na hora a tocar, criar e combinar esses diversos estilos”, continua. “Essa confusão sensorial e de inputs de informação sempre existiu aqui em Belém e se intensificou ainda mais com a pirataria e o acesso à internet.”
Gabi adiciona mais caldo no tacacá e dá aula de tecnobrega: “Agora usam o termo ‘melody’, mas na verdade é tudo a mesma coisa, é tudo tecnobrega. O pessoal tem vergonha de assumir a palavra, mas é o nosso ritmo, alguém colocou esse nome, paciência. Sempre tive a cara de me assumir. E o que é o brega? É o que você conhece como calipso, e a própria Banda Calypso não assumiu a palavra ‘brega’. Tecnobrega é a versão eletrônica do brega. Para fazer disco de brega calipso era muito caro, precisava pagar estúdios, músicos, instrumentos acústicos. Para baratear, a gente começou a usar guitarra, teclado e baixo dos teclados”.
Pronto, estava criado o ritmo robotizado que nasceu de sintetizadores e computadores caseiros, circula nos camelódromos em cópias piratas sem versão original oficial por trás e alimenta uma indústria informal de equipes de som (Tupinambá, Rubi, Superpop, Vetron, Príncipe Negro e assim por diante) e vertiginosas, ricas, superproduzidas e multicoloridas “festas de aparelhagem”.
O DJ Dinho procura explicar o abandono e o autoabandono dos músicos locais. “As pessoas aqui não levam nada muito a sério, deixam de registrar as músicas. É uma coisa muito amadora, cai logo nas mãos dos pirateiros, que são os únicos que ganham dinheiro com os discos”, afirma, sabedor, no entanto, de que os piratas são os divulgadores primordiais e indispensáveis do tecnobrega.
A líder da Tecno Show sublinha reiteradamente que a terra queixosa não quer desdenhar do sucesso da Djavú. “Não é dor de cotovelo porque eles fazem sucesso, eles têm seus méritos. Os baianos fazem as micaretas, estão anos-luz à frente da gente, admito. Mas fico incomodada porque sou compositora, sou registrada, tenho direito autoral”.
Aqui, chega-se ao ponto nevrálgico da pinimba Pará versus Bahia. Não é possível negar que o incômodo atual nasce, sim, do megassucesso da Djavú, e não do “roubo” propriamente dito. Pois cópia e reciclagem sempre foram elementos inerentes do processo todo. Outro dos refrões paraenses do momento, por exemplo, chama-se “Você Vacilou” (“cabô, cabô/ bobeou, dançou/ você vacilou/ eu tô falando grego?, não tô”) e é apropriação tecnobrega de um hit pé-de-serra pertencente à banda cearense Forró do Muído.
Vladimir se posiciona, definindo o cenário como “caótico, informal e confuso”: “A Djavú roubou músicas de autores paraenses, é um fato. Mas, ao mesmo tempo, uma série de músicas do tecnobrega é roubada. ‘No More Lonely Nights’, do Paul McCartney, virou ‘Galera GDK’. ‘Beat It’, do Michael Jackson, virou ‘O Rei do Pop’, cujo refrão, no lugar de ‘beat it, beat it’, diz ‘é firme, firme!’. Existe uma via de mão dupla, na qual as bandas de forró roubam músicas paraenses e as bandas paraenses roubam forrós que são transformados em tecnobrega”.
Gabi admite a mão dupla. “Existe, sim, isso de alguém vir e gravar um forró em melody. O pessoal faz versão de Roxette, Bee Gees”. No CD Reacender a Chama Vol. 2 (2004), de sua Tecno Show, ela própria é atribuída como autora de “Quero Te Amar”, na verdade uma versão de “La Isla Bonita”, de Madonna. “Já fiz isso de pegar música dos outros, não posso negar. Mas não gosto, prefiro compor as minhas.”
Pelo lado Djavú, a Bahia se vê na condição incomum e incômoda de decalcar um estilo em vez de inventar moda, como fazia ao revelar o samba-reggae de Olodum, a axé music de Daniela Mercury ou o samba duro do É o Tchan. Mas o Pará conhece há muito tempo a pilhagem de suas riquezas. “Os estrangeiros já patentearam o açaí, o Japão patenteou o cupuaçu”, começa Gabi. “Com a lambada foi a mesma coisa de agora, só que naquela época a gente não tinha tecnologia, até para fazer uma ligação telefônica para São Paulo era difícil. Luiz Caldas veio, pegou a lambada e disse que era da Bahia. Depois o [paraense] Beto Barbosa retomou um pouco, mas ele não tinha aquela coisa que o pessoal da Banda Calypso teve, de assumir que é do Pará. Acho que Beto tinha medo, porque o paraense sofria muita discriminação. Para o Brasil, Norte e Nordeste eram a mesma coisa, era tudo ‘paraíba’.”
Mas, diferentemente de vezes passadas, o caso Djavú teve o condão de mexer profundamente com os brios, o orgulho e a autoestima paraenses. “Agora que a mágoa está passando, começo a ver que o mercado está aberto para esse estilo e para novos artistas. Foi bom, porque as pessoas agora estão vendo e dizendo que o ritmo é do Pará. Estou achando muito bacana a reação do paraense”, constata Gabi. “A gente tira proveito também, porque eles deram um boom muito grande para nossa música. Estão divulgando o tecnobrega. Abriram uma janela de divulgação, uma oportunidade para os cantores daqui do Norte”, percebe o DJ Dinho.
Gabi vai direto a outro nervo (quase) exposto da disputa: “É como se fossem ainda os portugueses desembarcando na Amazônia, dando presentinhos. Os indígenas recebendo eles com carinho, a ingenuidade indígena. Depois levam nossas coisas embora e a gente fica ao Deus-dará”.
Vladimir desenvolve raciocínio semelhante: “A elite local tem como hábito escamotear certos aspectos que constituem a identidade do povo paraense. Não gosta de ser ligada ao índio, ao negro, ao povo ribeirinho, ao morador de periferia. Nega seus traços índios, pinta o cabelo de loiro, sonha passar frio e usar casaco. O tecnobrega, a lambada e o melody lembram que existe uma gente ‘feia’, de pele escura, ‘maleducada’, ‘malvestida’ e que ouve essa música dura, sexual, rude e que fere os ouvidos”.
O que parece acontecer de diferente hoje no Pará é que músicos populares e fazedores de tecnobrega descobrem, talvez de modo ainda rudimentar, sua própria responsabilidade em sempre deixar seus pássaros irem piar garbosos em outras freguesias. E começam a tratar-se a si e à sua música de modo inédito, como demonstra, mais uma vez, a fala de Gabi: “O tecnobrega é autêntico. E é uma coisa tão simples, tão idiota, que qualquer pessoa podia ter inventado. Mas não foi ninguém que inventou, foram os papa-xibés.”
Ela tem de decifrar para mim, sulista do Paraná, o que são “papa-xibés”. Pelo que compreendo, são papadores de açaí com farinha, ou seja, paraenses legítimos, pássaros da terra, músicos vigorosos, revolucionadores até hoje mais ou menos silenciosos de modelos caducos da indústria musical brasileira. Parecem começar a se dar conta de que, como cantavam em 1981 o carioca Jorge Ben e a niteroiense Baby Consuelo, antigamente todo dia era dia de índio cá no Brasil. E que, sim, podemos voltar a ser assim, por que não?
O REI DO CARIMBÓ
Foi uma carioca chamada Eliana Pittman quem fez o Brasil conhecer, nos anos 70, o ritmo paraense do carimbó. O país foi embalado por algum tempo pelos animadíssimos sacolejos de “Sinhá Pureza” (“olelê, olalá/ misturei carimbó, siriá/ carimbó, sirimbó é gostoso/ é gostoso em Belém do Pará”) e “Tia Luzia, Tio José” (“a ‘bença’, tia Luzia/ a ‘bença’, tio José/ minha mãe mandou comprar um pouquinho de café”), que tinham como autor um tal de Pinduca. Paraense de Igarapé-Mirim, ainda vivo e atuante, ele está praticamente desconhecido fora da Amazônia, e hoje é cultivado com certa displicência mesmo na terra natal. Se CDs piratas de tecnobrega são encontráveis em cada esquina de Belém, é preciso queimar sola de sandália para encontrar títulos de carimbó.
Pinduca não consta como verbete da “Enciclopédia da Música Brasileira”, mas está em atividade desde 1957, lançou três dezenas de álbuns desde 1973 e é um músico de inventividade e habilidade excepcionais, algo assim como um jazzista à maneira amazônica. Sempre paramentado com um grande chapéu de palha de pescador ornado com miniaturas de artesanato paraense, ele esbanja musicalidade em arranjos tão simples e diretos quanto minuciosos e elaborados de pedras preciosas pop como “Farinhada”, “Dona Maria”, “O Pinto” e “A Dança do Carimbó”.
Mas, tal como ocorre na recente descoberta de um orgulho paraense dentro do tecnobrega, emitem-se agora sinais de um início de revalorização de Pinduca, dentro e fora do Pará. A cantora e compositora Fernanda Takai, da banda Pato Fu, incluiu em show e DVD solo uma versão para “Sinhá Pureza”, possivelmente em diálogo com o fato de, apesar de mineira, ter nascido no Amapá. E neste novembro, entre os dias 13 e 15, acontece o festival musical belenense Se Rasgum, no qual caberá uma homenagem a Pinduca. Ele será uma das atrações do dia 14, e deve ser chamado novamente ao palco para uma versão rock-carimbó de “Sinhá Pureza” ao lado do Pato Fu [p.s.: o Pato Fu tocou mesmo o carimbó, mas o encontro musical acabou não acontecendo].
Já tradicional no circuito roqueiro, o Se Rasgum 2009 vem especialmente diversificado, unindo um sem fim de bandas indies locais a Pinduca, ao Tecno Show de Gabi Amarantos, ao virtuoso Trio Manari [que na hora H cancelou a participação], ao funk paranaense do Bonde do Rolê, ao rock pernambucano de Nação Zumbi...
A mistureba faz lembrar o próprio Pará, e dialoga com as seguintes palavras do diretor de “Brega S/A”, Vladimir Cunha, sobre as intensas trocas musicais a partir do porto de Belém: “Fico pensando o que sentiria um pós-punk metido a sebo ao saber que em Cametá, no baixo rio Tocantins, lavradores, estivadores e pescadores dançavam as mesmas músicas que ele dançava no [clube paulistano] Madame Satã ou no [carioca] Crepúsculo de Cubatão”. O que o pós-punk sentiria não se sabe, mas é bem possível que levasse um baita susto ao ouvir a brasilidade mais-que-perfeita do som do veterano Pinduca.
pingadores:
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Vladimir Cunha
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
O PARÁ
# agência pirata #
desperta, américa do sul
txt ntrdç: Pedro Alexandre Sanches
Esta minha atual fase paraense segue rendendo frutos suculentos, inclusive uma reportagem na edição 2 da "Billboard", já nas bancas, e anterior a essa nova visita que fiz ao festival Se Rasgum, no fim-de-semana passado.
Teria tanta coisa a dizer que até me perco, então por ora quero reproduzir aqui, com consentimento do autor, o depoimento que (o jornalista e codiretor dos documentários "Brega S/A" e "As Filhas da Chiquita") Vladimir Cunha me concedeu para a reportagem da "Billboard".
O que o Vlad escreveu por e-mail me parece mais que um depoimento, um texto pronto - e excepcional -, com reflexões úteis e importantes muito além das fronteiras do Pará. Quando ele diz "elite paraense", por exemplo, acredito que a gente pode facilmente substituir o termo "paraense" por qualquer canto do Brasil onde vicejem gêneros musicais locais. Ou podemos trocar, de modo mais amplo e igualmente justo, "elite paraense" por "elite brasileira" e e "música paraense" por "música brasileira". Cê não acha?
(Esclarecendo para quem não viu a "Billboard": a reportagem versa sobre o perrengue entre os grupos paraenses de tecnomelody e a Banda Djavú, baiana, que andou abocanhando uma série de hits paraenses e os transformou em música "da Bahia" de alto potencial comercial. Assunto candente, muitíssimo pano pra manga.)
Fala, Vlad:
Pedro,
e-1/2: Vladimir Cunha
Belém é ao mesmo tempo um lugar de passagem e um ponto onde várias culturas se encontram. Passagem porque é a entrada da Amazônia e a saída para o sul do país, e para a Europa, para quem está no norte do Brasil. Uma cidade portuária onde o tráfego de informações sempre foi muito intenso, onde desde os anos 50 se contrabandeavam discos de rock dos Estados Unidos e discos de cumbia, soca e merengue do Caribe e das Guianas. Foi o que possibilitou, por exemplo, a criação da guitarrada e da lambada, ritmos nascidos do contato da periferia da cidade com ritmos criados em outros países.
E sempre se ouviu muita música na periferia de Belém. Eu nasci e me criei no bairro do Jurunas e na parte baixa da Cidade Velha, duas áreas bem pobres da cidade (para tu ter uma ideia, a rua onde nasci somente foi ter asfalto e saneamento básico há cerca de 15 anos, antes era chão batido, valas a céu aberto e mato). E nesses locais era comum a gente estar brincado na rua e ouvir música de todos os lados, brega, merengue, lambada, carimbó, guitarrada... Porque sempre foi um hábito
do belenense pobre colocar as caixas de som na janela, na calçada ou na porta da casa. Em parte para mostrar aos vizinhos que ele conseguiu ter um aparelho de som (naquela época um status absurdo), em parte porque em Belém faz muito calor e na periferia da cidade ir para a rua ouvir música nos finais de semana é uma forma de escapar do ambiente sufocante das casas de madeira e alvenaria sem ventilação dos bairros mais pobres.
Então, essa musicalidade, ela sempre esteve presente no cotidiano do paraense da periferia, que desde cedo aprendeu a conviver com esses diversos matizes musicais. Antes de criar a Banda Calypso, Chimbinha tocava em bailes de Creendece Clearwater Revival a Pink Floyd, de Odair José a disco music. Isso é comum. Então, como o sujeito cresce ouvindo todo tipo de música desde cedo, aprende, na hora de tocar e criar a, combinar esses diversos estilos musicais.
Por causa da batida, por exemplo, "Blue Monday", do New Order, e "This Is Not a Love Song", do Public Image Ltd., foram hits absurdos nas aparelhagens nos anos 80, junto com músicas de Mauro Cota, Teddy Max, Juca Medalha, Pinduca e outros músicos locais. Como ninguém entendia a letra, as pessoas cantavam o refrão de "This Is Not a Love Song" como "bife, coloral e sal". Mas cantavam e se divertiam. Sempre que me lembro disso fico pensando o que sentiria um pós-punk metido a sebo ao saber que em Cametá, no Baixo Tocantins, lavradores, estivadores e pescadores dançavam as mesmas músicas que ele dançava no Madame Satã ou no Crepúsculo de Cubatão.
Isso tudo é para tu entender que essa confusão sensorial e de inputs de informação sempre existiu aqui em Belém e se intensificou ainda mais com a pirataria e o acesso à internet, pois as referências passaram a ser não somente musicais, mas também referências de moda, de seriados de TV, de filmes (tipo "Velozes e Furiosos", "Transformers" e
animes) e dos videogames ("Street Fighter" é, até hoje, sampleado em diversos tecnobregas).
É isso que colabora para essa inventividade do paraense pobre que resolve fazer música, que resolve criar esses gêneros híbridos e, agora, eletrônicos. O problema é que, ao contrário do axé e do forró, por exemplo, nunca existiu em Belém uma tentativa de profissionalização e institucionalização do tecnobrega. Isso porque não existe boa vontade da elite local com o ritmo. A elite local prefere escondê-lo, ridicularizá-lo e abraçar ritmos e modismos importados.
Isso se deve ao fato de que a elite local tem como hábito escamotear certos aspectos que constituem a identidade do povo paraense. Ela não gosta de ser ligada ao índio, ao negro, ao povo ribeirinho, ao morador da periferia. Ela nega seus traços índios, pinta o cabelo de loiro, sonha em morar em condomínios fechados, passar frio, usar casaco. Sonha com o dia em que Belém sera igual aos Jardins em São Paulo. Para ela, o tecnobrega, a lambada, o melody... tudo isso lembra que ao redor das
ilhas de conforto que ela ergueu, e nas quais perpetua a sua ilusão de embranquecimento e de pertencimento a uma realidade que não pode ser replicada numa cidade pobre e caótica como Belém, existe uma gente "feia", de pele escura, "mal-educada", "mal-vestida" e que ouve essa música dura, sexual, rude e que fere os ouvidos: o tecnobrega.
Por conta disso, o paraense médio nunca viu o tecnobrega ou o melody como uma cultura genuinamente local, que poderia ser exportada e gerar benefícios para a cidade e para o estado. Por ter vergonha do tecnobrega, e por conseguinte de uma infinidade de aspectos ligados à identidade do povo paraense, a elite local ergueu uma série de barreiras definindo o que pode e o que não pode, criando um apartheid não só social, mas também cultural, segregando essas manifestações para os salões de terra batida da periferia, para os balneários classe C e para os portos que circundam a cidade, onde são realizadas festas
todos os finais de semana.
Por ter sido relegado à periferia, o tecnobrega acabou encontrando na informalidade e na pirataria o seu meio de sobrevivência. Se por um lado isso foi bom, já que a informalidade criou um sistema de distribuição eficaz, por outro largou o ritmo numa espécie de terra de ninguém, onde direitos de patrimônio e de autor não são respeitados, onde não se tem controle sobre os processos criativos.
Por exemplo: a Banda Djavú roubou músicas de autores paraenses. é um fato. Mas, ao mesmo tempo, uma série de músicas do tecnobrega são roubadas. "No More Lonely Nights", do Paul McCartney, virou "Galera GDK", "Das Model" virou "Bole Rebole", "Beat It" virou "O Rei do Pop", cujo refrão, no lugar de "beat it", diz "é firme, firme". Junto a isso, existe uma via de mão dupla, na qual as bandas de forró roubam músicas paraenses e as bandas paraenses roubam forrós que são transformados em tecnobrega.
Um caso exemplar é da musica "Amores", que estourou em Belém numa versão tecnobrega, mas foi gravada originalmente pela banda Forró do Muído, que, por outro lado, roubou a musica de um grupo espanhol e gravou uma versão nao-autorizada dela em português. Nesse cenário caótico, informal e confuso, sempre me pareceu só uma questão de tempo até alguém vir aqui, pegar o melody e as músicas locais e lançar para todo o Brasil.
Em parte porque, ao empurrar e confinar o tecnobrega e o melody para espaços bem delimitados, a elite local perdeu o bonde da história, já que, espertamente, foram os empresários nordestinos, muito mais bem resolvidos com suas questões de identidade, que enxergaram no ritmo excelentes possibilidades de negócios. E enquanto o empresariado local dançava Biquíni Cavadão nos bares "classe A" de Belém e definia que melody era "coisa de caboco", a Bahia criava a Banda Djavú e fatura
milhões em cima de algo criado a partir do talento e da inventividade do povo paraense.
desperta, américa do sul
txt ntrdç: Pedro Alexandre Sanches
Esta minha atual fase paraense segue rendendo frutos suculentos, inclusive uma reportagem na edição 2 da "Billboard", já nas bancas, e anterior a essa nova visita que fiz ao festival Se Rasgum, no fim-de-semana passado.
Teria tanta coisa a dizer que até me perco, então por ora quero reproduzir aqui, com consentimento do autor, o depoimento que (o jornalista e codiretor dos documentários "Brega S/A" e "As Filhas da Chiquita") Vladimir Cunha me concedeu para a reportagem da "Billboard".
O que o Vlad escreveu por e-mail me parece mais que um depoimento, um texto pronto - e excepcional -, com reflexões úteis e importantes muito além das fronteiras do Pará. Quando ele diz "elite paraense", por exemplo, acredito que a gente pode facilmente substituir o termo "paraense" por qualquer canto do Brasil onde vicejem gêneros musicais locais. Ou podemos trocar, de modo mais amplo e igualmente justo, "elite paraense" por "elite brasileira" e e "música paraense" por "música brasileira". Cê não acha?
(Esclarecendo para quem não viu a "Billboard": a reportagem versa sobre o perrengue entre os grupos paraenses de tecnomelody e a Banda Djavú, baiana, que andou abocanhando uma série de hits paraenses e os transformou em música "da Bahia" de alto potencial comercial. Assunto candente, muitíssimo pano pra manga.)
Fala, Vlad:
Pedro,
e-1/2: Vladimir Cunha
Belém é ao mesmo tempo um lugar de passagem e um ponto onde várias culturas se encontram. Passagem porque é a entrada da Amazônia e a saída para o sul do país, e para a Europa, para quem está no norte do Brasil. Uma cidade portuária onde o tráfego de informações sempre foi muito intenso, onde desde os anos 50 se contrabandeavam discos de rock dos Estados Unidos e discos de cumbia, soca e merengue do Caribe e das Guianas. Foi o que possibilitou, por exemplo, a criação da guitarrada e da lambada, ritmos nascidos do contato da periferia da cidade com ritmos criados em outros países.
E sempre se ouviu muita música na periferia de Belém. Eu nasci e me criei no bairro do Jurunas e na parte baixa da Cidade Velha, duas áreas bem pobres da cidade (para tu ter uma ideia, a rua onde nasci somente foi ter asfalto e saneamento básico há cerca de 15 anos, antes era chão batido, valas a céu aberto e mato). E nesses locais era comum a gente estar brincado na rua e ouvir música de todos os lados, brega, merengue, lambada, carimbó, guitarrada... Porque sempre foi um hábito
do belenense pobre colocar as caixas de som na janela, na calçada ou na porta da casa. Em parte para mostrar aos vizinhos que ele conseguiu ter um aparelho de som (naquela época um status absurdo), em parte porque em Belém faz muito calor e na periferia da cidade ir para a rua ouvir música nos finais de semana é uma forma de escapar do ambiente sufocante das casas de madeira e alvenaria sem ventilação dos bairros mais pobres.
Então, essa musicalidade, ela sempre esteve presente no cotidiano do paraense da periferia, que desde cedo aprendeu a conviver com esses diversos matizes musicais. Antes de criar a Banda Calypso, Chimbinha tocava em bailes de Creendece Clearwater Revival a Pink Floyd, de Odair José a disco music. Isso é comum. Então, como o sujeito cresce ouvindo todo tipo de música desde cedo, aprende, na hora de tocar e criar a, combinar esses diversos estilos musicais.
Por causa da batida, por exemplo, "Blue Monday", do New Order, e "This Is Not a Love Song", do Public Image Ltd., foram hits absurdos nas aparelhagens nos anos 80, junto com músicas de Mauro Cota, Teddy Max, Juca Medalha, Pinduca e outros músicos locais. Como ninguém entendia a letra, as pessoas cantavam o refrão de "This Is Not a Love Song" como "bife, coloral e sal". Mas cantavam e se divertiam. Sempre que me lembro disso fico pensando o que sentiria um pós-punk metido a sebo ao saber que em Cametá, no Baixo Tocantins, lavradores, estivadores e pescadores dançavam as mesmas músicas que ele dançava no Madame Satã ou no Crepúsculo de Cubatão.
Isso tudo é para tu entender que essa confusão sensorial e de inputs de informação sempre existiu aqui em Belém e se intensificou ainda mais com a pirataria e o acesso à internet, pois as referências passaram a ser não somente musicais, mas também referências de moda, de seriados de TV, de filmes (tipo "Velozes e Furiosos", "Transformers" e
animes) e dos videogames ("Street Fighter" é, até hoje, sampleado em diversos tecnobregas).
É isso que colabora para essa inventividade do paraense pobre que resolve fazer música, que resolve criar esses gêneros híbridos e, agora, eletrônicos. O problema é que, ao contrário do axé e do forró, por exemplo, nunca existiu em Belém uma tentativa de profissionalização e institucionalização do tecnobrega. Isso porque não existe boa vontade da elite local com o ritmo. A elite local prefere escondê-lo, ridicularizá-lo e abraçar ritmos e modismos importados.
Isso se deve ao fato de que a elite local tem como hábito escamotear certos aspectos que constituem a identidade do povo paraense. Ela não gosta de ser ligada ao índio, ao negro, ao povo ribeirinho, ao morador da periferia. Ela nega seus traços índios, pinta o cabelo de loiro, sonha em morar em condomínios fechados, passar frio, usar casaco. Sonha com o dia em que Belém sera igual aos Jardins em São Paulo. Para ela, o tecnobrega, a lambada, o melody... tudo isso lembra que ao redor das
ilhas de conforto que ela ergueu, e nas quais perpetua a sua ilusão de embranquecimento e de pertencimento a uma realidade que não pode ser replicada numa cidade pobre e caótica como Belém, existe uma gente "feia", de pele escura, "mal-educada", "mal-vestida" e que ouve essa música dura, sexual, rude e que fere os ouvidos: o tecnobrega.
Por conta disso, o paraense médio nunca viu o tecnobrega ou o melody como uma cultura genuinamente local, que poderia ser exportada e gerar benefícios para a cidade e para o estado. Por ter vergonha do tecnobrega, e por conseguinte de uma infinidade de aspectos ligados à identidade do povo paraense, a elite local ergueu uma série de barreiras definindo o que pode e o que não pode, criando um apartheid não só social, mas também cultural, segregando essas manifestações para os salões de terra batida da periferia, para os balneários classe C e para os portos que circundam a cidade, onde são realizadas festas
todos os finais de semana.
Por ter sido relegado à periferia, o tecnobrega acabou encontrando na informalidade e na pirataria o seu meio de sobrevivência. Se por um lado isso foi bom, já que a informalidade criou um sistema de distribuição eficaz, por outro largou o ritmo numa espécie de terra de ninguém, onde direitos de patrimônio e de autor não são respeitados, onde não se tem controle sobre os processos criativos.
Por exemplo: a Banda Djavú roubou músicas de autores paraenses. é um fato. Mas, ao mesmo tempo, uma série de músicas do tecnobrega são roubadas. "No More Lonely Nights", do Paul McCartney, virou "Galera GDK", "Das Model" virou "Bole Rebole", "Beat It" virou "O Rei do Pop", cujo refrão, no lugar de "beat it", diz "é firme, firme". Junto a isso, existe uma via de mão dupla, na qual as bandas de forró roubam músicas paraenses e as bandas paraenses roubam forrós que são transformados em tecnobrega.
Um caso exemplar é da musica "Amores", que estourou em Belém numa versão tecnobrega, mas foi gravada originalmente pela banda Forró do Muído, que, por outro lado, roubou a musica de um grupo espanhol e gravou uma versão nao-autorizada dela em português. Nesse cenário caótico, informal e confuso, sempre me pareceu só uma questão de tempo até alguém vir aqui, pegar o melody e as músicas locais e lançar para todo o Brasil.
Em parte porque, ao empurrar e confinar o tecnobrega e o melody para espaços bem delimitados, a elite local perdeu o bonde da história, já que, espertamente, foram os empresários nordestinos, muito mais bem resolvidos com suas questões de identidade, que enxergaram no ritmo excelentes possibilidades de negócios. E enquanto o empresariado local dançava Biquíni Cavadão nos bares "classe A" de Belém e definia que melody era "coisa de caboco", a Bahia criava a Banda Djavú e fatura
milhões em cima de algo criado a partir do talento e da inventividade do povo paraense.
pingadores:
As Filhas de Chiquita,
Belém,
Billboard,
Brega S/A,
Caribe,
Carimbó,
Djavú,
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Se Rasgum,
Tecnobrega,
Vladimir Cunha
segunda-feira, 1 de junho de 2009
TOP 10 MAIO 2009
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10 insanidades pesquisados na internet e que chegaram até aqui pro blog, sabe-se la como
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2. "Foder sogras de 50 a 60 anos", outro portuga
3. "Putas virgens a foder", outro manoel, este de Castelo Branco
4. "Foder.com", ?
5. "Como dançar tecno-brega no rio de janeiro", zé carioca
6. "Como deiza musigas gravadas no meu computador", analfabeto em português e informática
7. "Injectar coca cola", portuga viciado
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9. "Brasileira de 15 anos a foder", outro portuga,
10. "Cacildiz", mussum.
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1. Montage - Raio de fogo
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quarta-feira, 6 de maio de 2009
TECNOBREGA
# agência pirata #
Ritmo louco, negócio sério
txt e ntrvst: Bruno Dorigatti
pht: Henrik Moltke
Vem de Belém do Pará, uma revolução barulhenta na nossa famigerada indústria cultural. O tecnobrega, com suas dezenas de festas de aparelhagens por semana, onde se reúnem alguns milhares de pessoas, para dançar, curtir e interagir com os DJs ao som do brega, turbinado pela música eletrônica.
Quem poderia imaginar, quando o mercado fonográfico começou a experimentar anos atrás as primeiras etapas de uma crise que o forçaria a se adaptar – e seguir tentando fazê-lo, ainda hoje – aos tempos de internet e distribuição livre de canções, que um gênero musical paraense mostraria ao Brasil e ao mundo um modelo de negócio para a indústria cultural calcado em novas formas de produção e distribuição? Pois isso ocorreu, e o advogado Ronaldo Lemos e a jornalista Oona Castro transformaram o fenômeno em livro: Tecnobrega: o Pará reinventando o negócio da música. Nono volume da coleção Tramas Urbanas (Aeroplano Editora), que tem a curadoria de Heloisa Buarque de Hollanda, Tecnobrega teve lançamento no dia 30 de setembro, na livraria Unibanco Arteplex, no Rio de Janeiro. Mas você confere o livro na íntegra aqui. E ouve um sem fim de tecnobrega – e bregacalypso, guitarrada, mpp (música popular paraense) etc. – no portal BregaPop.
Resultado dos estudos do projeto Modelos de Negócios Abertos – América Latina (Open business models – Latin America), sob a coordenação do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Fundação Getúlio Vargas, em parceria com o Instituto Overmundo, o livro traz respostas à crise da indústria cultural – mantendo o respeito à diversidade e às culturas locais. Confira a entrevista com Oona Castro, uma das co-autoras do livro, que contou com outros colaboradores da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) – Arilson Favareto, Reginaldo Magalhães e Ricardo Abramovay –, e também da FGV Opinião – Alessandra Tosta, Elizete, Ignácio, Marcelo Simas e Monique Menezes.
Como vocês tomaram conhecimento do circuito do tecnobrega?
O Hermano Vianna já conhecia há algum tempo, tinha tido contato com o Chimbinha, antes do Calypso, quando ele estava envolvido com a guitarrada (música instrumental do Pará). Ele esteve lá com a Regina Casé, produziram um programa para o “Central da Periferia”. Entrei no projeto no início dele, quando estava fazendo uma especialização na Fundação Getúlio Vargas (FGV), sobre propriedade intelectual. Minha questão era em torno da cadeia de negócios, que tem sua própria engrenagem, e quando você tira uma peça dessa engrenagem, tudo muda. Na verdade, minha perspectiva nem era em termos de lucro, lucratividade da indústria. Quando entrei, a pesquisa de campo não havia começado ainda, cheguei com as primeiras reuniões acontecendo, isso em 2006.
Como foi chegar lá? Já conhecia Belém do Pará?
Conhecia, mas não tinha nada a ver com essa cena. Estive lá em 2000, quando essa cena estava começando a acontecer, mas ainda era concentrada na periferia, porque hoje o tecnobrega se alastrou para a região central, inclusive para casas de show da classe média. Mas as festas de aparalhagens, os estúdios, os artistas, os djs, tudo ainda fica concentrado na periferia de Belém e da Grande Belém. Mas hoje a classe média local já conhece. O preconceito já foi maior. Hoje, diminuiu, reconhecem a importância, e muitos até gostam. Tem alguma similaridade com o que aconteceu com o funk carioca
A Gabi Amarantos (cantora de tecnobrega) foi muito importante nessa ponte com a classe média e, além dela, alguns personagens do tecnobrega dialogam com setores mais elitistas, digamos assim, da sociedade paraense. Eu tive uma boa idéia da cena, fiquei uma semana lá. Mas a Alessandra Tosta, antropóloga, ficou um mês, desenvolvendo a pesquisa qualitativa. Mesmo assim, conheci muito dos protagonistas da cena, fui a algumas festas de aparelhagens, na periferia, na região central e fora de Belém também. È brilhante, causa um impacto muito grande, a atmosfera, o chão começa a tremer ainda longe do local da festa, as luzes podem ser vistas a quilômetros de distância. Não tem como não se surpreender, é muito vibrante. Mas, ao mesmo tempo, não dá para se sentir parte daquilo, pois há uma identidade paraense muito forte. Dá para se sentir muito à vontade. E por mais que exista um processo de massificação na distribuição, na produção, existe um componente local fortíssimo, e isso para mim é muito valoroso, pois eles simplesmente não pegaram o que vem de fora, eles recriaram, e isso alcança outros estados da região Norte e Nordeste; e aqui no Sul, tem chegado à academia, aos jornais, ainda não como fenômeno de público.
Apesar de funcionar muito bem lá no Pará, o que dele poderia ser aproveitado e reproduzido em outros circuitos e redes?
Os conceitos mais abstratos e genéricos. Primeiro, identificar as brechas entre a informalidade e a formalidade, essa fissura, esse vazio, onde não havia uma ocupação. Nunca teve grandes gravadoras investindo naquele mercado. Identificar nas fissuras a oportunidade, com um senso prático e de empreendedorismo. Utilizar a corrente natural de distribuição que já havia, ainda que informal, e isso pode ser experimentado em outros espaços.
O filme Tropa de Elite passou por algo parecido, o que demonstra que a rede informal de distribuição no Rio de Janeiro tem uma força surpreendente. Ainda que o caso do audiovisual seja bem diferente, já que não temos uma indústria do cinema – é tudo feito via mecenato, lei de incentivo – como temos uma indústria da música, ainda que decadente e passando por amplas transformações. Em tese, os filmes, quando estréiam, já estão pagos; seria interessante que se facilitasse o acesso aos bens culturais, ampliando a circulação, como fez Bruno Vianna, com o filme Cafuné, que lançou o longa simultaneamente, em 2006, nos cinemas e na rede. Em tese, deveria retornar para o público, mas como criar uma indústria do audiovisual? Você produz um filme com dinheiro público, mas quase não tem dinheiro para o lançamento e a distribuição.
E quando se questiona essa lógica, como este governo fez bem no começo de sua gestão, em 2003, é acusado de dirigismo, stalinismo, por aqueles que sempre se beneficiaram com o estado das coisas. A malfadada “contrapartida” seria, ao meu ver, acesso, distribuição.
Exatamente. Quase não se tem filme voltado para o mercado infantil, logo não se tem a criação, para esses filmes, de uma audiência, de um público consumidor de cinema, não se tem uma política de distribuição. O Brasil é um dos poucos países onde a tributação é em cima da obra, e não em cima do número de cópias. Então os blockbusters chegam com 200 cópias e pagam a mesma coisa que um filme com uma, duas três cópias. Sem falar que o cinema é caro para a média da população. Então como você vai gerar um mercado assim? E há pouquíssimas salas de cinema. Além do acesso, seria necessário que se pensasse em criar uma indústria, em uma política de Estado, junto com a sociedade e os produtores. Acontece que tem esse gargalo aí, e com certeza tem mais alguns gargalos que não levanto – até porque o audiovisual não é a área que mais domino. Embora a produção audiovisual tenha barateado bastante, o equipamento ainda é caro, o retorno é bem diferente do músico, que hoje sobrevive de shows e apresentações. O diretor de cinema, não.
Além da fissura, quais são as outras fontes de recurso que podem garantir um retorno para a produção? É isso que precisa ser identificado, além do direito autoral. É preciso garantir o acesso sem encarecer a cadeia produtiva.
Voltando ao Pará, como se estruturam os agentes dessa cena tecnobrega?
As empresas são familiares, tem muito compadrio, baseado nas relações de confiança que o mercado formal não tem. Aliás, o Brasil é muito calcado por essas relações pessoais. E lá, isso é fundamental para manter o equilíbrio do próprio mercado. Hoje eu posso ganhar mais, seja na aparelhagem, ou na banda, mas se busca sempre um equilíbrio, pois amanhã pode ser diferente, e aí é você que vai procurar dividir de maneira mais igual o que foi ganho em uma festa de aparelhagem, em um show. Muitos questionam que o tecnobrega não subverte a lógica do mercado. E de fato, é mercado, mas não vejo como o mal absoluto. A questão é se é mais concentrado ou menos concentrado, mais desigual ou menos desigual, mais flexível ou menos flexível. As gravadoras não lançam mais os novos artistas, há algum tempo já. E essa rede cria e permite o acesso, a distribuição. Com a rede do tecnobrega, os gargalos deixam de existir.
Aqui no Rio de Janeiro está sendo formada a Rede Rio Música, com participação da FGV, do Sebrae, do Overmundo, uma articulação para aquecer o negócio da música no estado, mas ainda é muito focado no rock, uma vez que outros gêneros, como o samba, já estariam “estabelecidos”. Mas, na verdade, toda música precisa ser renovada, arejada. Não é à toa que lá vigora essa cena hoje, e aqui está se correndo atrás. Há 10 anos, lá no Pará, era isso: pouquíssimas gravadoras, algo praticamente inexistente, se comparado com o que tem hoje. E as majors já estão se mexendo há alguns anos, em busca de alternativas, mas querem entrar também como majors nestes novos mercados. Mas para o rearranjo é preciso o desarranjo. No caso deles, me parece que falta ousadia para criar algo novo.
Mesmo assim, há alguma concentração na cena do tecnobrega, com somente quatro grandes aparelhagens, em um total de mais de 100. No que isso é bom, no que é ruim?
De fato, as aparelhagens são o setor mais concentrado do mercado. E hoje, a importância que elas têm é similar a que já tiveram um dia as rádios (no caso do Pará). Muitos fazem questão de tocar na aparelhagem X, como já se fez questão de tocar na rádio Y. Elas hoje ocupam esse espaço e cumprem esse papel, de fazer com que as músicas estourem. Mas, mesmo assim, há um dinamismo muito grande. As aparelhagens começam pequenas, na periferia de Belém. No interior do estado, os burros ainda carregam as caixas de som. É vigoroso, porque ainda é aberto. O risco disso acabar é essa concentração crescer. Mas há também espaço para crescer, sobretudo no interior do Pará, porque a aparelhagem envolve muito equipamento, para viajar é sempre complicado; então o espaço para os novos surge. Só a história do mercado vai dizer, mas o que acontece hoje é que as aparelhagens, conforme vão crescendo, passam a ocupar a região central de Belém, abrindo espaço na periferia para as menores. Outro dado curioso é que a maior aparelhagem não é necessariamente a que lucra mais.
Algo interessante do modelo são as inversões, como o fato de as aparelhagens pautarem as rádios, de os ouvintes exigirem as músicas, de as casas de shows se renderem ao tecnobrega. Como se deu isso?
Há um mercado que foi se impondo, com uma popularidade tal, e que guarda semelhanças com o que aconteceu com o funk carioca, também relegado às periferias, aos morros. A rádio surgiu assim, para refletir o que mais se produzia e mais se ouvia, mas foi desvirtuada para ditar o que as majors impõem, fazer o gosto na marra, através da repetição. No tecnobrega a relação do público com as aparelhagens é diferente, os djs tocam de frente para seu público, interagem, pedem a participação. Com o crescimento, os djs passaram a ser chamados para tocar nas rádios, alguns têm horários onde só toca tecnobrega, e muitos acham o espaço pequeno, com uma, duas horas, além de reservado, pois muitas rádios não tocam tecnobrega na programação normal, o que gera um ressentimento e uma ambição de tocar mais. E isso me fez pensar num paralelo com os movimentos sociais, de mulheres, dos gays. Há uma conquista de espaço, mas ele ainda é segmentado, a demanda reprimida é enorme e, conseqüentemente, o desejo é que isso se amplie, cada vez mais.
No Pará eles têm noção de que fazem parte da indústria cultural local, que geram muita renda, além de impostos (através dos mecanismos legais da rede) e, portanto, acham natural esse espaço maior. Há também as rádios poste, onde toca de tudo, com uma programação voltada para o seu raio de alcance, geralmente algumas centenas de metros. Elas tocam mais tecnobrega que as rádios comerciais, sem dúvida, chama os djs e artistas para entrevista.
Outro ponto interessante é a estrutura de direitos flexíveis de propriedade intelectual, como se estabeleceu no Pará. De que maneira poderia ser replicada em outros lugares?
No início dos contatos para a pesquisa, havia certo receio em relação a isso, um pé atrás. Há um senso comum de que é errado liberar música, eles acham que têm que se justificar. A verdade é que poucos artistas em poucos momentos viveram de direitos autorais no Pará. Eles trocaram direito autoral igual = zero por direito autoral = zero + mais divulgação + circulação + a possibilidade de se tornarem mais conhecidos. Isso começou a se dar em meados dos anos 1990. Houve um movimento de conscientização, levado adiante pelo Júnior Nevese pela Silvinha (hoje proprietária de uma gravadora no Recife), para um modelo de cobrança, mas não foi adiante.
Eu também não sou anti-direito autoral sob qualquer circunstância. O problema é ceder o direito autoral para alguém administrar e isso virar mais um gargalo. As gravadoras até chegaram a sugerir formas de remuneração aos artistas do tecnobrega, mas estes nunca viram vantagem nisso, já que elas nunca apresentaram algo que valesse a pena para eles. Não é à toa que o número de artistas e djs que nunca lançaram por uma gravadora chega a 88%. E a lógica de estabelecimento de um artista e dj é inversa ao que foi até então praticado neste mercado. Primeiro, a música produzida em casa, ou no estúdio de um dj amigo estoura em uma festa de aparelhagem. Com os convites que começam a aparecer, é o momento de formar uma banda, para ensair, se apresentar nas festas e casas de show, para então gravar um álbum. O que também está acontecendo no mercado de pop, rock, mpb, de uma maneira mais ampla. No Pará, é também relevante o fato de a música ser cada vez mais aberta, com a oportunidade de ser alterada, experimentada, modificada, remixada de diferenres maneiras. E foi uma lógica que se desenrolou empiricamente, intuitivamente, com essa flexibilidade dos artistas.
O potencial de crescimento deste mercado está sobretudo nos novos, que têm muito mais a apostar e não têm nada a perder. O mercado é mais fechado para os artistas estabelecidos, pois envolve mais dinheiro e o risco deve ser menor. Para os novos, que estão começando na periferia, por ser mais barato, podem inovar, inventar e criar muito mais. O maior potencial está nas pequenas aparelhagens.
E o faturamento?
É certo que uma renda média mensal estimada em R$ 2.600 pode não ser muito para os artistas daqui do sul, mas no Pará, onde a renda média mensal da população é de R$ 700 (dados do IBGE de 2001), este valor é significativo. É um mercado que se permite viver da música que faz. E a maioria continua morando na periferia, próximo à rede de estúdios, artistas, djs, aparelhagens, festas. É um mercado de música, onde se pode viver daquilo. Acho que ensina muita coisa, mas não quero tratá-lo como excêntrico e sem dificuldades. O importante é mostrar que existem saídas, buscar uma formalização, mas dentro dos mecanismos que eles têm, partir disso para se chegar nessa linha tênue do equilíbrio entre legalidade, formalidade e ilegalide, informalidade. Idéias como estações de cópias legais, locais permitidos à circulação de pessoas para as vendas, políticas de acesso, novas formas de tributação.
Vocês identificaram outras redes similares ao tecnobrega pelo país?
Com essa lógica de circulação e distribuição informais, há o reggae no Maranhão, o forró eletrônico pelo Nordeste, embora este último seja muito mais desproporcional, pois há os donos das bandas, praticamente empresários, que assumem o comando de tudo. No tecnobrega, há o dj de estúdio, o centro de tudo, pode onde tudo passa, mas é nas festas de aparelhagens onde as coisas acontecem.
E como foi a recepção do pessoal do tecnobrega quando chegaram para realizar a pesquisa?
Havia o glamour, de ser a Fundação Getulio Vargas, do Rio de Janeiro, mas também surgia uma desconfiança. Quando chegava para conhecer, muito legal, mas quando começava a perguntar demais, eles desconfiavam. O que é natural, dada a circunstância entra a ilegalidade e a legalidade, a informalidade e a formalidade.
E como eles vêem a banda Calypso? Há esse desejo de estourar fora do Pará?
Eles percebem a importância da banda Calypso, é inspirador. Sobretudo o fato de eles terem até hoje a própria gravadora, de nunca terem fechado com outra gravadora, apesar das inúmeras propostas que apareceram depois de eles terem estourado. Inspirador nesse sentido. Além da admiração e proximidade com Chimbinha, guitarrista que por muitos anos tocou em bandas de guitarrada antes de formar o Calypso com a Joelma.
Agora, há uma ambição de estourar fora do Pará, talvez em São Paulo. Eles já vão à Expomusic, para compar o que há de mais moderno em equipamentos. A Gabi Amarantos tocou na Loka (boate GLS), em São Paulo (Gabi participou também do show da Orquestra Imperial, no Circo Voador, Rio de Janeiro). Não é bem um objetivo deles, ninguém faz para tocar no Rio ou em São Paulo, não é pauta, demanda, desafio, nem objetivo, mas é referência o Calypso no Faustão, a Gabi na Loka.
As fotos que ilustram essa entrevista veio do Flickr de Henrik Moltke, feitas em 2006, quando esteve em Belém para filmar o tecnobrega para o documentário Good copy, bad copy.
Texto de Hermano Vianna, da contracapa do livro:
"Que a indústria fonográfica mundial está em crise, disso ninguém duvida. Todo mundo anda procurando o "novo modelo de negócios". Escondido em Belém do Pará, o tecnobrega testa uma original economia cria há aos, na marra. As músicas saem direto de estúdios da periferia e são distribuídas nos camelôs da cidade, animando gigantescas festas de aparelhagem, sem mais depender da grande mídia ou gravadoras. Um mundo paralelo cujo funcionamento é finalmente revelado neste livro: estudo pioneiro sobre as novas indústrias culturais que comandam a vida musical mais popular no Brasil de hoje. Quem quiser pensar o futuro da música não pode ignorar as lições tecnobregas da Amazônia digital."
baixe o livro AQUI
Ritmo louco, negócio sério
txt e ntrvst: Bruno Dorigatti
pht: Henrik Moltke
Vem de Belém do Pará, uma revolução barulhenta na nossa famigerada indústria cultural. O tecnobrega, com suas dezenas de festas de aparelhagens por semana, onde se reúnem alguns milhares de pessoas, para dançar, curtir e interagir com os DJs ao som do brega, turbinado pela música eletrônica.
Quem poderia imaginar, quando o mercado fonográfico começou a experimentar anos atrás as primeiras etapas de uma crise que o forçaria a se adaptar – e seguir tentando fazê-lo, ainda hoje – aos tempos de internet e distribuição livre de canções, que um gênero musical paraense mostraria ao Brasil e ao mundo um modelo de negócio para a indústria cultural calcado em novas formas de produção e distribuição? Pois isso ocorreu, e o advogado Ronaldo Lemos e a jornalista Oona Castro transformaram o fenômeno em livro: Tecnobrega: o Pará reinventando o negócio da música. Nono volume da coleção Tramas Urbanas (Aeroplano Editora), que tem a curadoria de Heloisa Buarque de Hollanda, Tecnobrega teve lançamento no dia 30 de setembro, na livraria Unibanco Arteplex, no Rio de Janeiro. Mas você confere o livro na íntegra aqui. E ouve um sem fim de tecnobrega – e bregacalypso, guitarrada, mpp (música popular paraense) etc. – no portal BregaPop.
Resultado dos estudos do projeto Modelos de Negócios Abertos – América Latina (Open business models – Latin America), sob a coordenação do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Fundação Getúlio Vargas, em parceria com o Instituto Overmundo, o livro traz respostas à crise da indústria cultural – mantendo o respeito à diversidade e às culturas locais. Confira a entrevista com Oona Castro, uma das co-autoras do livro, que contou com outros colaboradores da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) – Arilson Favareto, Reginaldo Magalhães e Ricardo Abramovay –, e também da FGV Opinião – Alessandra Tosta, Elizete, Ignácio, Marcelo Simas e Monique Menezes.
Como vocês tomaram conhecimento do circuito do tecnobrega?
O Hermano Vianna já conhecia há algum tempo, tinha tido contato com o Chimbinha, antes do Calypso, quando ele estava envolvido com a guitarrada (música instrumental do Pará). Ele esteve lá com a Regina Casé, produziram um programa para o “Central da Periferia”. Entrei no projeto no início dele, quando estava fazendo uma especialização na Fundação Getúlio Vargas (FGV), sobre propriedade intelectual. Minha questão era em torno da cadeia de negócios, que tem sua própria engrenagem, e quando você tira uma peça dessa engrenagem, tudo muda. Na verdade, minha perspectiva nem era em termos de lucro, lucratividade da indústria. Quando entrei, a pesquisa de campo não havia começado ainda, cheguei com as primeiras reuniões acontecendo, isso em 2006.
Como foi chegar lá? Já conhecia Belém do Pará?
Conhecia, mas não tinha nada a ver com essa cena. Estive lá em 2000, quando essa cena estava começando a acontecer, mas ainda era concentrada na periferia, porque hoje o tecnobrega se alastrou para a região central, inclusive para casas de show da classe média. Mas as festas de aparalhagens, os estúdios, os artistas, os djs, tudo ainda fica concentrado na periferia de Belém e da Grande Belém. Mas hoje a classe média local já conhece. O preconceito já foi maior. Hoje, diminuiu, reconhecem a importância, e muitos até gostam. Tem alguma similaridade com o que aconteceu com o funk carioca
A Gabi Amarantos (cantora de tecnobrega) foi muito importante nessa ponte com a classe média e, além dela, alguns personagens do tecnobrega dialogam com setores mais elitistas, digamos assim, da sociedade paraense. Eu tive uma boa idéia da cena, fiquei uma semana lá. Mas a Alessandra Tosta, antropóloga, ficou um mês, desenvolvendo a pesquisa qualitativa. Mesmo assim, conheci muito dos protagonistas da cena, fui a algumas festas de aparelhagens, na periferia, na região central e fora de Belém também. È brilhante, causa um impacto muito grande, a atmosfera, o chão começa a tremer ainda longe do local da festa, as luzes podem ser vistas a quilômetros de distância. Não tem como não se surpreender, é muito vibrante. Mas, ao mesmo tempo, não dá para se sentir parte daquilo, pois há uma identidade paraense muito forte. Dá para se sentir muito à vontade. E por mais que exista um processo de massificação na distribuição, na produção, existe um componente local fortíssimo, e isso para mim é muito valoroso, pois eles simplesmente não pegaram o que vem de fora, eles recriaram, e isso alcança outros estados da região Norte e Nordeste; e aqui no Sul, tem chegado à academia, aos jornais, ainda não como fenômeno de público.
Apesar de funcionar muito bem lá no Pará, o que dele poderia ser aproveitado e reproduzido em outros circuitos e redes?
Os conceitos mais abstratos e genéricos. Primeiro, identificar as brechas entre a informalidade e a formalidade, essa fissura, esse vazio, onde não havia uma ocupação. Nunca teve grandes gravadoras investindo naquele mercado. Identificar nas fissuras a oportunidade, com um senso prático e de empreendedorismo. Utilizar a corrente natural de distribuição que já havia, ainda que informal, e isso pode ser experimentado em outros espaços.
O filme Tropa de Elite passou por algo parecido, o que demonstra que a rede informal de distribuição no Rio de Janeiro tem uma força surpreendente. Ainda que o caso do audiovisual seja bem diferente, já que não temos uma indústria do cinema – é tudo feito via mecenato, lei de incentivo – como temos uma indústria da música, ainda que decadente e passando por amplas transformações. Em tese, os filmes, quando estréiam, já estão pagos; seria interessante que se facilitasse o acesso aos bens culturais, ampliando a circulação, como fez Bruno Vianna, com o filme Cafuné, que lançou o longa simultaneamente, em 2006, nos cinemas e na rede. Em tese, deveria retornar para o público, mas como criar uma indústria do audiovisual? Você produz um filme com dinheiro público, mas quase não tem dinheiro para o lançamento e a distribuição.
E quando se questiona essa lógica, como este governo fez bem no começo de sua gestão, em 2003, é acusado de dirigismo, stalinismo, por aqueles que sempre se beneficiaram com o estado das coisas. A malfadada “contrapartida” seria, ao meu ver, acesso, distribuição.
Exatamente. Quase não se tem filme voltado para o mercado infantil, logo não se tem a criação, para esses filmes, de uma audiência, de um público consumidor de cinema, não se tem uma política de distribuição. O Brasil é um dos poucos países onde a tributação é em cima da obra, e não em cima do número de cópias. Então os blockbusters chegam com 200 cópias e pagam a mesma coisa que um filme com uma, duas três cópias. Sem falar que o cinema é caro para a média da população. Então como você vai gerar um mercado assim? E há pouquíssimas salas de cinema. Além do acesso, seria necessário que se pensasse em criar uma indústria, em uma política de Estado, junto com a sociedade e os produtores. Acontece que tem esse gargalo aí, e com certeza tem mais alguns gargalos que não levanto – até porque o audiovisual não é a área que mais domino. Embora a produção audiovisual tenha barateado bastante, o equipamento ainda é caro, o retorno é bem diferente do músico, que hoje sobrevive de shows e apresentações. O diretor de cinema, não.
Além da fissura, quais são as outras fontes de recurso que podem garantir um retorno para a produção? É isso que precisa ser identificado, além do direito autoral. É preciso garantir o acesso sem encarecer a cadeia produtiva.
Voltando ao Pará, como se estruturam os agentes dessa cena tecnobrega?
As empresas são familiares, tem muito compadrio, baseado nas relações de confiança que o mercado formal não tem. Aliás, o Brasil é muito calcado por essas relações pessoais. E lá, isso é fundamental para manter o equilíbrio do próprio mercado. Hoje eu posso ganhar mais, seja na aparelhagem, ou na banda, mas se busca sempre um equilíbrio, pois amanhã pode ser diferente, e aí é você que vai procurar dividir de maneira mais igual o que foi ganho em uma festa de aparelhagem, em um show. Muitos questionam que o tecnobrega não subverte a lógica do mercado. E de fato, é mercado, mas não vejo como o mal absoluto. A questão é se é mais concentrado ou menos concentrado, mais desigual ou menos desigual, mais flexível ou menos flexível. As gravadoras não lançam mais os novos artistas, há algum tempo já. E essa rede cria e permite o acesso, a distribuição. Com a rede do tecnobrega, os gargalos deixam de existir.
Aqui no Rio de Janeiro está sendo formada a Rede Rio Música, com participação da FGV, do Sebrae, do Overmundo, uma articulação para aquecer o negócio da música no estado, mas ainda é muito focado no rock, uma vez que outros gêneros, como o samba, já estariam “estabelecidos”. Mas, na verdade, toda música precisa ser renovada, arejada. Não é à toa que lá vigora essa cena hoje, e aqui está se correndo atrás. Há 10 anos, lá no Pará, era isso: pouquíssimas gravadoras, algo praticamente inexistente, se comparado com o que tem hoje. E as majors já estão se mexendo há alguns anos, em busca de alternativas, mas querem entrar também como majors nestes novos mercados. Mas para o rearranjo é preciso o desarranjo. No caso deles, me parece que falta ousadia para criar algo novo.
Mesmo assim, há alguma concentração na cena do tecnobrega, com somente quatro grandes aparelhagens, em um total de mais de 100. No que isso é bom, no que é ruim?
De fato, as aparelhagens são o setor mais concentrado do mercado. E hoje, a importância que elas têm é similar a que já tiveram um dia as rádios (no caso do Pará). Muitos fazem questão de tocar na aparelhagem X, como já se fez questão de tocar na rádio Y. Elas hoje ocupam esse espaço e cumprem esse papel, de fazer com que as músicas estourem. Mas, mesmo assim, há um dinamismo muito grande. As aparelhagens começam pequenas, na periferia de Belém. No interior do estado, os burros ainda carregam as caixas de som. É vigoroso, porque ainda é aberto. O risco disso acabar é essa concentração crescer. Mas há também espaço para crescer, sobretudo no interior do Pará, porque a aparelhagem envolve muito equipamento, para viajar é sempre complicado; então o espaço para os novos surge. Só a história do mercado vai dizer, mas o que acontece hoje é que as aparelhagens, conforme vão crescendo, passam a ocupar a região central de Belém, abrindo espaço na periferia para as menores. Outro dado curioso é que a maior aparelhagem não é necessariamente a que lucra mais.
Algo interessante do modelo são as inversões, como o fato de as aparelhagens pautarem as rádios, de os ouvintes exigirem as músicas, de as casas de shows se renderem ao tecnobrega. Como se deu isso?
Há um mercado que foi se impondo, com uma popularidade tal, e que guarda semelhanças com o que aconteceu com o funk carioca, também relegado às periferias, aos morros. A rádio surgiu assim, para refletir o que mais se produzia e mais se ouvia, mas foi desvirtuada para ditar o que as majors impõem, fazer o gosto na marra, através da repetição. No tecnobrega a relação do público com as aparelhagens é diferente, os djs tocam de frente para seu público, interagem, pedem a participação. Com o crescimento, os djs passaram a ser chamados para tocar nas rádios, alguns têm horários onde só toca tecnobrega, e muitos acham o espaço pequeno, com uma, duas horas, além de reservado, pois muitas rádios não tocam tecnobrega na programação normal, o que gera um ressentimento e uma ambição de tocar mais. E isso me fez pensar num paralelo com os movimentos sociais, de mulheres, dos gays. Há uma conquista de espaço, mas ele ainda é segmentado, a demanda reprimida é enorme e, conseqüentemente, o desejo é que isso se amplie, cada vez mais.
No Pará eles têm noção de que fazem parte da indústria cultural local, que geram muita renda, além de impostos (através dos mecanismos legais da rede) e, portanto, acham natural esse espaço maior. Há também as rádios poste, onde toca de tudo, com uma programação voltada para o seu raio de alcance, geralmente algumas centenas de metros. Elas tocam mais tecnobrega que as rádios comerciais, sem dúvida, chama os djs e artistas para entrevista.
Outro ponto interessante é a estrutura de direitos flexíveis de propriedade intelectual, como se estabeleceu no Pará. De que maneira poderia ser replicada em outros lugares?
No início dos contatos para a pesquisa, havia certo receio em relação a isso, um pé atrás. Há um senso comum de que é errado liberar música, eles acham que têm que se justificar. A verdade é que poucos artistas em poucos momentos viveram de direitos autorais no Pará. Eles trocaram direito autoral igual = zero por direito autoral = zero + mais divulgação + circulação + a possibilidade de se tornarem mais conhecidos. Isso começou a se dar em meados dos anos 1990. Houve um movimento de conscientização, levado adiante pelo Júnior Nevese pela Silvinha (hoje proprietária de uma gravadora no Recife), para um modelo de cobrança, mas não foi adiante.
Eu também não sou anti-direito autoral sob qualquer circunstância. O problema é ceder o direito autoral para alguém administrar e isso virar mais um gargalo. As gravadoras até chegaram a sugerir formas de remuneração aos artistas do tecnobrega, mas estes nunca viram vantagem nisso, já que elas nunca apresentaram algo que valesse a pena para eles. Não é à toa que o número de artistas e djs que nunca lançaram por uma gravadora chega a 88%. E a lógica de estabelecimento de um artista e dj é inversa ao que foi até então praticado neste mercado. Primeiro, a música produzida em casa, ou no estúdio de um dj amigo estoura em uma festa de aparelhagem. Com os convites que começam a aparecer, é o momento de formar uma banda, para ensair, se apresentar nas festas e casas de show, para então gravar um álbum. O que também está acontecendo no mercado de pop, rock, mpb, de uma maneira mais ampla. No Pará, é também relevante o fato de a música ser cada vez mais aberta, com a oportunidade de ser alterada, experimentada, modificada, remixada de diferenres maneiras. E foi uma lógica que se desenrolou empiricamente, intuitivamente, com essa flexibilidade dos artistas.
O potencial de crescimento deste mercado está sobretudo nos novos, que têm muito mais a apostar e não têm nada a perder. O mercado é mais fechado para os artistas estabelecidos, pois envolve mais dinheiro e o risco deve ser menor. Para os novos, que estão começando na periferia, por ser mais barato, podem inovar, inventar e criar muito mais. O maior potencial está nas pequenas aparelhagens.
E o faturamento?
É certo que uma renda média mensal estimada em R$ 2.600 pode não ser muito para os artistas daqui do sul, mas no Pará, onde a renda média mensal da população é de R$ 700 (dados do IBGE de 2001), este valor é significativo. É um mercado que se permite viver da música que faz. E a maioria continua morando na periferia, próximo à rede de estúdios, artistas, djs, aparelhagens, festas. É um mercado de música, onde se pode viver daquilo. Acho que ensina muita coisa, mas não quero tratá-lo como excêntrico e sem dificuldades. O importante é mostrar que existem saídas, buscar uma formalização, mas dentro dos mecanismos que eles têm, partir disso para se chegar nessa linha tênue do equilíbrio entre legalidade, formalidade e ilegalide, informalidade. Idéias como estações de cópias legais, locais permitidos à circulação de pessoas para as vendas, políticas de acesso, novas formas de tributação.
Vocês identificaram outras redes similares ao tecnobrega pelo país?
Com essa lógica de circulação e distribuição informais, há o reggae no Maranhão, o forró eletrônico pelo Nordeste, embora este último seja muito mais desproporcional, pois há os donos das bandas, praticamente empresários, que assumem o comando de tudo. No tecnobrega, há o dj de estúdio, o centro de tudo, pode onde tudo passa, mas é nas festas de aparelhagens onde as coisas acontecem.
E como foi a recepção do pessoal do tecnobrega quando chegaram para realizar a pesquisa?
Havia o glamour, de ser a Fundação Getulio Vargas, do Rio de Janeiro, mas também surgia uma desconfiança. Quando chegava para conhecer, muito legal, mas quando começava a perguntar demais, eles desconfiavam. O que é natural, dada a circunstância entra a ilegalidade e a legalidade, a informalidade e a formalidade.
E como eles vêem a banda Calypso? Há esse desejo de estourar fora do Pará?
Eles percebem a importância da banda Calypso, é inspirador. Sobretudo o fato de eles terem até hoje a própria gravadora, de nunca terem fechado com outra gravadora, apesar das inúmeras propostas que apareceram depois de eles terem estourado. Inspirador nesse sentido. Além da admiração e proximidade com Chimbinha, guitarrista que por muitos anos tocou em bandas de guitarrada antes de formar o Calypso com a Joelma.
Agora, há uma ambição de estourar fora do Pará, talvez em São Paulo. Eles já vão à Expomusic, para compar o que há de mais moderno em equipamentos. A Gabi Amarantos tocou na Loka (boate GLS), em São Paulo (Gabi participou também do show da Orquestra Imperial, no Circo Voador, Rio de Janeiro). Não é bem um objetivo deles, ninguém faz para tocar no Rio ou em São Paulo, não é pauta, demanda, desafio, nem objetivo, mas é referência o Calypso no Faustão, a Gabi na Loka.
As fotos que ilustram essa entrevista veio do Flickr de Henrik Moltke, feitas em 2006, quando esteve em Belém para filmar o tecnobrega para o documentário Good copy, bad copy.
Texto de Hermano Vianna, da contracapa do livro:
"Que a indústria fonográfica mundial está em crise, disso ninguém duvida. Todo mundo anda procurando o "novo modelo de negócios". Escondido em Belém do Pará, o tecnobrega testa uma original economia cria há aos, na marra. As músicas saem direto de estúdios da periferia e são distribuídas nos camelôs da cidade, animando gigantescas festas de aparelhagem, sem mais depender da grande mídia ou gravadoras. Um mundo paralelo cujo funcionamento é finalmente revelado neste livro: estudo pioneiro sobre as novas indústrias culturais que comandam a vida musical mais popular no Brasil de hoje. Quem quiser pensar o futuro da música não pode ignorar as lições tecnobregas da Amazônia digital."
baixe o livro AQUI
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