::txt::Pablo Francischelli::
Se eu não me engano, estávamos no ano de 2003, em uma daquelas noites esfumaçadas da nossa desorientada vida porto-alegrense. Acompanhado do querido amigo e estrela guia da subversão, Tiago Jucá, vagávamos atrás das gentilezas do destino inesperado. Entre a angústia do saber e a despreocupação do viver, Jucá alinhavava inconsciente as primeiras engrenagens de uma relação cujos ponteiros marcariam o início da construção da nossa querida DobleChapa.
Na tentativa de alterar o estado de consciência daquela noite, chegávamos à casa de Moita – figura de engenhosa inteligência e técnico de som da grande maioria dos filmes super-8 rodados naquelas voltas gaúchas dos anos 2000. Ali, entre rolos de oito milímetros e vapores entorpecentes, um (para mim) desconhecido Caio Jobim trabalhava junto ao anfitrião da casa na finalização de seu curta – o premiado ‘Jardim de Alah’. Me lembro de “Stiff Necked Fools” tocando repetidamente como trilha do filme, mas nem a minha música preferida de Marley conseguiria atenuar o súbito constrangimento que me abatera ao presenciar um momento de criação tão íntimo de alguém que eu jamais havia visto antes.
Saí de lá carregando um pouco do desconforto que a vida às vezes nos impõe, mas que nossa estrela guia da subversão logo tratou de amenizar. Passados alguns dias daquele primeiro episódio, Jucá repetiria meu encontro com Caio, agora na minha casa e em condições muito semelhantes à anterior: eu acabara de fazer o primeiro corte de um filme (“Como Você Vai Mudar o Mundo?” – co-dirigido pelo próprio Jucá) e, desta vez, deveria caber ao Caio o papel de espectador constrangido.
Mostrar um trabalho inacabado a um desconhecido é sempre uma situação estranha e desconfortável. Talvez tenha sido a própria estranheza daquele momento que tenha borrado qualquer lembrança de crítica ou elogio tecidos ao filme naquela noite.
Porém, terminada aquela exibição, Caio apresentaria uma versão pirata do recém lançado disco do Eddie, “Original Olinda Style”, e o constrangimento aos poucos recostaria sua cabeça nas areias da praia, do cinema e do futebol.
Essas duas noites despretensiosas ficariam desenhadas nas cavernas pré-históricas da DobleChapa: cinema e música fariam as honras daqueles primeiros encontros, enquanto cada um de nós projetava seu próprio terreno intelecto-laboral, sem sequer pensar na possibilidade de uma engenharia comum a ser construída logo ali adiante.
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