:: txt :: Tiago Jucá ::
Era uma noite de frio. Dez horas. Eu voltava de uma entrega na Cidade Baixa e caminhava pela deserta avenida João Pessoa. Nenhuma alma perdida na rua. Nem a de Neto. Ao atravessar sobre a ponte da Azenha, vem em minha direção uma mulher. Nunca vi ninguém tão apavorado diante de minha presença. Ela ficou pálida. Seu nervosismo era aparente. Seu olhar congelou fitando os meus. Mas firme e forte, manteve a calma e passou por mim.
Naquela noite passei a perceber o medo que causo e que todos nós homens causamos. Eu não sabia o que fazer. Me senti constrangido de estar ali, naquela hora. Em poucos segundos, pensei em várias alternativas: atravessar a avenida, falar alguma coisa pra acalmar, sorrir. Pedir desculpa por cruzar por ela. Por existir. Nada disso. Meu silêncio foi o reflexo do medo daqueles olhos que se agigantavam a cada passo que nos aproximava.
Vivemos numa sociedade capitalista, na qual, entre várias barbáries resultantes desse modo de vida selvagem, está o machismo, assim como racismo e homofobia. E como não vivemos em bolha, a gente replica tudo isso, em diferentes graus, tendo consciência disso ou não. Há algum tempo procuro me conscientizar, saber mais, não repetir práticas machistas e ouvir as mulheres. Mulheres, e ninguém mais.
Não é fácil, pois está encarnado em nossa cultura sermos assim e conviver com outros que assim também são. Quando você acha que já sabe um pouco, escorrega logo ali adiante. Talvez eu escorregue daqui a pouco. Talvez este texto seja machista. O que posso fazer é continuar meu processo de desconstrução, cotidianamente. O último aprendizado foi não discutir se fiz ou falei algo machista. Se ela diz, é porque é. Na hora eu achei que não fui.
Eu já era pra ter escrito isto no dia das mulheres. Preferi ouvir os relatos, ler matérias, compartilhar links. E dia após dia, ao longo da semana, choviam notícias de abuso, violência, estupro, morte, agressão, covardia... e por aí vai. E a tarefa de escrever foi sendo adiada. Até me cobraram isso. Acabo fazendo justamente na data de um ano do assassinato da Marielle. Logo ela, uma mulher trabalhadora e oriunda da favela, metralhada pelos piores porcos que a política brasileira já elegeu pra ocupar cargos no executivo e legislativo, que "coincidentemente" eram acusados por ela de práticas machistas, racistas e homofóbicas através de seus agentes militares e milicianos dentro das comunidades da periferia carioca.
Não sei se parabenizo, se agradeço, se peço desculpas. Ou se faço tudo isso todos os dias. Ou se sigo em silêncio o caminho pra casa. Eu não queria tá no lugar daquela mulher naquela ponte naquela noite. E olha que ali nem era o lugar mais sinistro da cidade. Imagina quantos locais horríveis não tem por ae pelos quais mulheres passam e esperam o bus pra trabalhar. Todo santo dia. Ou nem precisa ser tão terrível assim, pode ser dentro da própria casa, onde acontecem a maioria dos crimes contra às mulheres.
E nós achando que esse papo de feminismo é mimimi...