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::txt::Tiago Jucá Oliveira::
“Acorda Maria Bonita, levante e faça o café, que o dia já vem raiando e a puliça já tá de pé”. Como explicar que alguns compositores, em algumas músicas ou em trechos delas, tenham reencarnado a fala e até mesmo o pensamento de Lampião?
Há quem se comporte assim. Chico Science, como vimos na edição anterior, trazia o capitão cangaceiro como mártir, mas em certos momentos tomou o corpo de Lampião pra sua revolução estético-musical ficar mais eficaz. O cangaço pra justificar o manguebit.
O episódio da morte de Lampião e de quase todos de seu bando marcou a história do país, encerrando assim o ciclo do cangaço. Imagens de cabeças degoladas e expostas ao público após a emboscada povoam até hoje o imaginário popular.
Na letra de “Sangue de Bairro”, Chico toma o cérebro de Lampião, já decapitado, por mais um breve instante. Ele relata o nome de 24 cangaceiros do bando de Lampião, antes de tomar uma decisão: “quando degolaram minha cabeça, passei mais de dois minutos vendo meu corpo tremendo e não sabia o que fazer; morrer, viver, morrer, viver!”.
O assalto ao corpo de Lampião não teve monopólio. Lirinha, líder do grupo Cordel do Fogo Encantado, também baixou o espírito do rei do cangaço. A canção “O Cordel Estradeiro” apresenta o local inóspito: “meu moxotó coroado, de xiquexique e facheiro, onde a cascavel cochila, na boca do cangaceiro”, para em seguida assumir sua personalidade: “eu também sou cangaceiro”, e, enfim, salientar o poder de sua peixeira agora reencarnada em versos: “e o meu cordel estradeiro, é cascavel poderosa. (…) é canção de lavadeira, peixeira de Lampião, as luzes do vagalume (…) pois meu verso é feito a foice, do cossaco cortar a cana”.
A curiosa relação sobre o poder do vagalume, mais brilhante na intensidade do horizonte da árida vegetação da caatinga, remete a própria morte de Lampião e Maria Bonita. Em entrevista à revista TPM, de março de 2001, Sila, mulher do cangaceiro Zé Sereno, ambos sobreviventes da tragédia de Angico, lembra que na noite de véspera da emboscada, ela e Maria Bonita conversavam no alto de uma ribanceira: “vi uma luz que acendia e apagava, até perguntei a ela se era uma lanterna. Ela disse que devia ser vagalume. Se eu tivesse descido e falado com Zé Sereno, não teria acontecido o que aconteceu”.
Em “Profecia Final (ou No Mais Profundo)”, Lirinha encarna o messiânico Antônio Conselheiro - “Adeus povo, adeus árvores, adeus campos, aceitai minha despedida” - antes de voltar a ser Rei do Cangaço. A letra contém trechos de uma famigerada carta enviada por Lampião em novembro de 1926 para o governador de Pernambuco, através de Pedro Paulo Magalhães Dias, inspetor da Esso que se fizera preso pelo bando, mas que fora liberado com a missão de entregar a carta. Nela, o rei do cangaço se auto proclama governador do sertão E apresentava uma “proposta que desejo fazer ao senhor para evitar guerra no sertão e acabar de vez com as brigas. Se o senhor estiver no acordo, devemos dividir nossos territórios”. Lampião queria limites, e Lirinha repetiu: “fico governando esta zona de cá, por inteiro, até as pontas dos trilhos em Rio Branco. E o senhor do seu lado, governa do Rio Branco até a pancada do mar”, no Recife.
Coincidência ou não, Rio Branco, como era conhecida antes a cidade de Arcoverde, a porta de entrada pro sertão, é onde surgiu o Cordel do Fogo Encantado.
* este texto pode ser reencarnado. Domínio Público!
Um comentário:
Texto muito foda!
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