# entrevista #
TROCANDO UMA IDÉIA
txt: Tiago Jucá Oliveira
TROCANDO UMA IDÉIA
txt: Tiago Jucá Oliveira
phts: arquivo pessoal
"Eu me formei em Administração de Hotéis", diz Fabiana Menini em certo trecho da entrevista. Essa declaração é uma surpresa quando dita por uma mulher sempre envolvida com projetos culturais, arte de rua, grafiteiros, músicos, produtores, dançarinos, etc. Conheço Fabiana dali, daqui e dacolá, mas quase nunca tive uma oportunidade de conversar de fato com ela. Sempre aquele "que legal, vamos se falar, vamos combinar de armar uma parceria e tal", mas, ela e eu, atrolhados cada qual com suas idéias e projetos, nunca tivemos esse papo. Uma dúvida de pauta pro overblog acabou, quando percebi que eu ainda não havia entrevistado uma pessoa muito importante pra cultura local. Dei o recado a ela, que prontamente respondeu: "que massa!".
Como você acabou parando na área na qual trabalha?
Eu me formei em Administração de Hotéis, na Escola Castelli, em Canela. Não tem nada a ver com arte. Eu com 16 anos fiz meu primeiro show, numa noite de natal de 1987 ou 88, um show com Os Cascavelletes, em Alegrete. Aí fui morar em Santa Maria, onde entrei pra faculdade de História. Mas eu tinha um acerto com meus pais. Meus pais são muito legais, se sou o que sou, eu devo a eles. O acerto é que durante os quatro anos na faculdade eu poderia fazer o que quisesse. E quando terminasse eu já teria que estar trabalhando pra me sustentar. Eu fiquei dois anos na UFSM (Universidade Federal de Santa Maria) fazendo tudo que me dava vontade. Fiz o básico da História, e fiz todas as cadeiras de semiótica na Engenharia, na Comunicação, nas Artes, que era o que me empolgava na época. Entrei na faculdade de Artes, onde fiz várias coisas. E meu tempo estava acabando, então descobri a faculdade de Hotelaria, que durava dois anos. Aí fui pra Canela. Me formei, trabalhei no Laje de Pedra, onde entrei como supervisora de copa e quando saí era assistente do meu gerente. E me especializei na área de comida. Depois fui trabalhar em Angra dos Reis, Curitiba, e vim pra Novo Hamburgo como gerente do Hotel Fenac. O diretor do hotel era muito legal, eu dava umas idéias e ele topava. Então propus criar um espaço de arte dentro do hotel. Criamos uma galeria de arte. Chamamos A Barata Oriental pra cantar só músicas dos Beatles, junto com o Coral da Unisinos. E a direção adorava aquilo, achava lindo e divertido. Mas cansei de trabalhar em hotel, e apesar de todo dia circular pessoas diferentes, eu não aguentava mais a rotina, apesar de inventar tudo aquilo. Pedi demissão e resolvi morar em Porto Alegre, com a intenção de trabalhar com comida. Eu fazia uma vez por mês um jantar temático no Bar Ocidente, criei receitas a partir de livros. Outro mês foi comida medieval, me ligaram: "Fabiana, é verdade que vamos comer com as mãos?". "Não, não, é bobagem, vai ter talher sim". O Fiapo, dono do Ocidente, me liberou os domingos pra fazer festa de rap. E não tinha festa de rap em Porto Alegre. Eu ouvia rap através dos vídeos de skate, não foi pela black music. Então comecei a conhecer as pessoas que ouviam rap, conheci o Thaíde quando fui pra São Paulo e já ficamos amigos. A gente saía junto aqui e lá. Um dia ele perguntou: "por que tu não vende nossos shows lá no sul?". Aí começou tudo. Conheci os guris do Da Guedes, numa festa no Garagem Hermética. Gostei muito deles, era a primeira vez que ouvia rap gaúcho com qualidade. "Esses guris são bons mesmo", pensei. Aí teve a Expo Música em Canela, e me chamaram pra fazer os camarins e o coquetel de abertura. E faltava uma banda daqui pra tocar entre as atrações de fora. Apresentei a Da Guedes, eles foram e fizeram o show. Várias gravadoras estavam lá. Uma delas gostou. Como eu já estava conversando com a banda pra gente se unir e fazer junto. Naquela noite eu fechei o primeiro contrato deles. Mas a gravadora não pagava o estúdio, ficaram de lançar o disco em um ano e nada do disco sair, e a gente com o disco gravado. Aí surgiu a Trama. O Thaíde veio fazer show aqui, e eu coloquei o Da Guedes pra abrir. O Carlos Eduardo Miranda estava lá também e quis contratar os guris. Falei com meu pai, que é advogado, e fui na gravadora. Ou eles gravavam logo o CD, ou encerrava o contrato. Fiz como meu pai disse pra fazer, saí de lá e fui direto na Trama. Fomos pra São Paulo, gravamos tudo de novo em um mês e meio. E finalmente saiu o CD pela Trama. Meses depois eles me demitiram. Mas eu continuei. O Xis me contratou pra produzir ele aqui no RS. Esses dias eu fiz uma lista com todos artistas que já trabalhei. Foram 76 shows de artistas diferentes em 12 anos.
Fabiana tem 36 anos. Mora num apartamento em um gigantesco condomínio no bairro Jardim Botânico, ao lado da Escola Superior de Educação Física da UFRGS. "Vou te esperar com um café", me diz pouco antes de eu sair de casa. Em alguns momentos da conversa, fomos interrompido pelo celular dela. A menina que cuida de seu filho quer saber se Fabiana está em casa, pois está sem chave. São seis horas da tarde quando chegam os dois. Pedro é um bonito e divertido menino de oito anos de idade. A mãe pergunta se tem tema de casa pra fazer. "Só as sete horas", desvia-se Pedro do obstáculo que impede de usar o computador.
O Instituto Trocando Idéia existe desde quando?
Desde 1996. A partir de 1999 começamos o Festival Trocando Idéia, que se realiza anualmente, exceto ano passado por falta de patrocínio, e que estamos captando pra que este ano aconteça.
Faltou muita grana pro festival sair ano passado?
Escrevemos em vários editais da Fundação Moreira Salles, da Petrobras, apresentamos pra empresas, mas penso que ainda temos no Brasil uma dificuldade de entendimento da abrangência da arte de rua. Ela está hoje nos comerciais de tv, feita nas agências por publicitários, mas esta exposição não retorna pra quem faz ela na rua. O Trocando Idéia é um encontro, com shows, exposição e oficinas, todas atividades gratuitas, e no último o público foi em três dias de 12 mil pessoas. Jovens do Brasil, foram oito estados presentes, e da América Latina, que se fez presente duas vezes com participantes do Chile, Argentina e Paraguai.
Mas o instituto funciona o ano todo né?
O Trocando Idéia é um associação que tem seis pessoas trabalhando. A gente sabe que em tal lugar tem uma escola de samba com telecentro, que noutro lugar tem uma escola de dança. Então tentamos fazer com que essas pessoas tenham mais informação e que conheçam outras pessoas pra trabalhar juntas.
E teus outros projetos, como o Identidade de Rua?
Tem o Identidade de Rua, há quatro anos, no qual pintamos os trens do Trensurb. Pra fazer as pinturas dos trens foi um ano de convencimento. Uma vez por mês eu ia lá e dizia pra Cristina, chefe de comunicação do Trensurb, que o projeto era legal, mostrava fotos e currículo dos artistas. E eles com medo de fazer aquilo. Voltava no outro mês e no outro até convencer o presidente que ia ser legal. Fizemos a pintura do primeiro trem. O Trensurb foi indicado pra um prêmio na ONU de boas práticas públicas. Aí eles viram que teve um retorno, que as pessoas falavam. Fizemos de novo, mas não só nos trens, pois a proposta é usar o grafite pra fazer suportes diversos. Então teve um leilão de tela grafitada no Santander Cultural; a Ativa liberou as cabines telefônicas, etc. Pra este ano terá um tema e serão pintadas as estações do Trensurb.
E o projeto Palavra?
Os artistas vão em lugares como bibliotecas públicas ou associações, onde lêem suas letras e conversam com as pessoas. A gente está tentando dar uma identidade pra todos esses projetos, tipo num mesmo ano tratar de um mesmo tema. Então o Identidade deste ano vai ser o livro e a leitura. Quando eu fui no Trensurb contar isso, me disseram que estão criando uma biblioteca dentro de uma estação de trem. Fechou tudo! Vamos fazer de novo! Mas até agora eu não tenho cachê pra ninguém. Tem tinta, tem vontade, mas ninguém está ganhando dinheiro até agora. Então tem um tempo ainda pra correr atrás de um cachê pros artistas. É muito difícil fazer esse projeto, ficar escrevendo o tempo todo, achar edital.
E as ferramentas tecnológicas de hoje, se por um lado ajudam a divulgar o trabalho de forma mais rápida e fácil, por outro ainda estamos aprendendo como tirar grana através desses novos conceitos de produção e distribuição. Está mais difícil e fácil ao mesmo tempo?
Sempre foi difícil, não é uma coisa de agora. O que facilita é que temos mais ferramentas pra dizer o que está fazendo e que precisa de dinheiro pra fazer isso. Já cansei de ouvir as empresas dizerem "ah, eu quero". Aí a gente pára, faz um projeto, pega currículo de todo mundo, faz orçamento e apresenta. "Ah, a gente não quer mais, mudamos o foco semana passada numa reunião". Artista e produtor cultural são guerreiros.
Nossa conversa se deu um dia antes de Fabiana ir viajar pro Recife, onde participou do Festival Abril Pro Rock deste ano. Além de CDs, resenhas, projetos e idéias, Fabiana carrega o acentuado sotaque 'e', típico dos habitantes da fronteira gaúcha com Argentina e Uruguai. Ela conta que quando morava lá, era mais fácil ir pra Montevideo e Buenos Aires do que vir para Porto Alegre, por causa da distância. Tive sorte, pois se bobeasse mais um dia pra entrar em contato, perderia a oportunidade deste papo interessante.
O que você vai fazer no Abril Pro Rock?
Vou pro Recife pois inscrevi o Trocando Idéia pra participar daAbrafin. O Trocando Idéia é o único festival de hip-hop no Brasil com tanto tempo. Quando vi que lá estarão o pessoal dos festivais e como eu me envolvo com muitos artistas, eu preparei um material de oito artistas pra levar, pois os festivais de rock começaram a abrir pra outros estilos musicais. Minha proposta vai ser que alguns possam ter um palco alternativo de rap e hip-hop. Vai ter muita gente interessante por lá pra manter contato pra depois continuar a conversa.
Você está levando material de oito artistas daqui?
Não, não são todos daqui. Como faz bastante tempo que trabalho com rap, eu acabo trabalhando com gente de tudo que é lugar. Eu tenho um contato no Chile, e eu distribuo as músicas deles aqui no Brasil. Por exemplo, o Moleque de Rua, que é uma banda que já tem muitos anos, eles há quase dez anos ficam seis meses por ano na Europa fazendo shows, e aqui eles não fazem shows. A intenção é conseguir shows pra eles no Brasil. Além do Moleque de Rua, levarei o Proffeta, o Solo Damant, e o Emepê 4, todos de Porto Alegre.
Sim, mas você vai levar somente material né, não vai levar artistas?
Eu fiz um CD com um encarte, onde tem duas músicas e uma página de cada artista, que vou entregar pras pessoas. Tem também uma página falando o que é o Trocando Idéia. E uma trilha do espetáculo de um grupo de break, o Hackers Crew, primeira companhia de dança de rua indicada ao Prêmio Açorianos de 2006 em três categorias.
Você ainda é produtora de bandas?
Não produzo mais.
Por que não?
É um saco, é muito chato, é muito trabalhoso. Eu trabalhei três anos com o Da Guedes. Foram três anos até conseguir a gravadora, pra começar a conhecerem o som deles.
A última vez que eu havia encontrado Fabiana foi dentro do estúdio da rádio Ipanema FM, por poucos minutos. Tejo Damasceno, do Coletivo Instituto, e eu estávamos saindo do ar, depois de uma entrevista no programa do Piá, enquanto ela entrava com um pelotão de mulheres. Elas estavam lá pra divulgar o Universo Feminino 2008, evento que promove e discute as ações das mulheres. Antes de eu sair do estúdio, Fabiana me disse que estava indo pra França novamente.
Como começou esse intercâmbio com a França?
A gente começou nas edições do Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Eu fazia a parte cultural do palco do Movimento Nacional de Luta pela Moradia. Então tinha um espaço chamado No Vox, que era para os sem-documentos, os sem-tetos, os sem-terras, pessoal do Japão, França e Estados Unidos. Conheci o MNLM através de um produtor francês, chamado Jaques Pasquier, ex-empresário do The Doors, o cara que faz a programação do Fórum Social Europeu. Ele me disse que precisava de alguém que fizesse a estrutura e que montasse a programação. Eu montei tudo isso. Dentro desse espaço tivemos uma reunião mundial do Trocando Idéia, na mesma época que estávamos organizando o festival pra sair aqui do RS, pois tinha gente pedindo. Naquele espaço tinha muitas pessoas, produtores culturais e tal. O Jaques me propôs montar algo pra levar essas pessoas pra França, pra mostrar o hip-hop do Brasil lá. A gente ficou três anos conversando. Mas começou mesmo a andar ano passado. Fomos eu e dois artistas da Hackers Crew. Foi muito legal, o retorno foi ótimo pra essa associação da França - Les Gamins de l’Art Rue -, pois eles viram o trabalho de crianças com idade entre 12 e 14 anos, em quatro cidades. Deu tudo certo. Agora eu vou com 12 pessoas.
Que semelhanças e diferenças você notou entre as periferias francesas e brasileiras? E qual o grande problema deles?
O problema deles é trabalho, né. Os caras não tem trabalho, pois eles não têm papel. São os sem-papel, que fazem parte do No Vox. Eles têm identidade, mas não podem trabalhar, não podem se formalizar no país. A periferia da França é feita de imigrantes. Paris pra mim foi reveladora. Em volta da Torre Eiffel, naquele centrinho ali, é tudo muito branco, limpo, cheiroso. Aí tu vai indo e vai ficando mais preto, mais turco, mais marroquino, mais sujo, mais pichado, mais pessoas na rua, mais bolinhos de pessoas conversando, mais tráfico. Quanto mais pra longe do centro, mais se acentuam as diferenças sociais. E a Les Gamins de l’Art Rue aproximam jovens de periferias pra conversarem e tentar achar o que tem em comum e quais as lutas que se fazem pra que isso possa se tornar visível.
Pergunto se falta algo que não perguntei. Ela me tranquiliza. Nas quase três horas que tivemos de papo, o som que vinha do computador é basicamente rap. Fabiana me diz que ouve muito rap, mas também curte outros gêneros musicais. Só não se acostumou nem consegue gostar de música eletrônica, "destas que tocam nas raves, me dizem que é legal, pra eu prestar atenção, mas não adianta". No computador, Fabiana me mostra fotos da França, conta dos carros que são grafitados espontaneamente por artistas de rua e sem a permissão dos donos. Relata os casos de rebeldia francesa: "eles murcham ou furam os quatro pneus de um carro de luxo com o objetivo de conseguir mais empregos pra borracheiros". Tomo um copo d'água antes de ir embora. Pedro sorri: "mas essa água aí é da torneira". Não faz mal garoto. Eu queria matar era a sede de informação.
Como você acabou parando na área na qual trabalha?
Eu me formei em Administração de Hotéis, na Escola Castelli, em Canela. Não tem nada a ver com arte. Eu com 16 anos fiz meu primeiro show, numa noite de natal de 1987 ou 88, um show com Os Cascavelletes, em Alegrete. Aí fui morar em Santa Maria, onde entrei pra faculdade de História. Mas eu tinha um acerto com meus pais. Meus pais são muito legais, se sou o que sou, eu devo a eles. O acerto é que durante os quatro anos na faculdade eu poderia fazer o que quisesse. E quando terminasse eu já teria que estar trabalhando pra me sustentar. Eu fiquei dois anos na UFSM (Universidade Federal de Santa Maria) fazendo tudo que me dava vontade. Fiz o básico da História, e fiz todas as cadeiras de semiótica na Engenharia, na Comunicação, nas Artes, que era o que me empolgava na época. Entrei na faculdade de Artes, onde fiz várias coisas. E meu tempo estava acabando, então descobri a faculdade de Hotelaria, que durava dois anos. Aí fui pra Canela. Me formei, trabalhei no Laje de Pedra, onde entrei como supervisora de copa e quando saí era assistente do meu gerente. E me especializei na área de comida. Depois fui trabalhar em Angra dos Reis, Curitiba, e vim pra Novo Hamburgo como gerente do Hotel Fenac. O diretor do hotel era muito legal, eu dava umas idéias e ele topava. Então propus criar um espaço de arte dentro do hotel. Criamos uma galeria de arte. Chamamos A Barata Oriental pra cantar só músicas dos Beatles, junto com o Coral da Unisinos. E a direção adorava aquilo, achava lindo e divertido. Mas cansei de trabalhar em hotel, e apesar de todo dia circular pessoas diferentes, eu não aguentava mais a rotina, apesar de inventar tudo aquilo. Pedi demissão e resolvi morar em Porto Alegre, com a intenção de trabalhar com comida. Eu fazia uma vez por mês um jantar temático no Bar Ocidente, criei receitas a partir de livros. Outro mês foi comida medieval, me ligaram: "Fabiana, é verdade que vamos comer com as mãos?". "Não, não, é bobagem, vai ter talher sim". O Fiapo, dono do Ocidente, me liberou os domingos pra fazer festa de rap. E não tinha festa de rap em Porto Alegre. Eu ouvia rap através dos vídeos de skate, não foi pela black music. Então comecei a conhecer as pessoas que ouviam rap, conheci o Thaíde quando fui pra São Paulo e já ficamos amigos. A gente saía junto aqui e lá. Um dia ele perguntou: "por que tu não vende nossos shows lá no sul?". Aí começou tudo. Conheci os guris do Da Guedes, numa festa no Garagem Hermética. Gostei muito deles, era a primeira vez que ouvia rap gaúcho com qualidade. "Esses guris são bons mesmo", pensei. Aí teve a Expo Música em Canela, e me chamaram pra fazer os camarins e o coquetel de abertura. E faltava uma banda daqui pra tocar entre as atrações de fora. Apresentei a Da Guedes, eles foram e fizeram o show. Várias gravadoras estavam lá. Uma delas gostou. Como eu já estava conversando com a banda pra gente se unir e fazer junto. Naquela noite eu fechei o primeiro contrato deles. Mas a gravadora não pagava o estúdio, ficaram de lançar o disco em um ano e nada do disco sair, e a gente com o disco gravado. Aí surgiu a Trama. O Thaíde veio fazer show aqui, e eu coloquei o Da Guedes pra abrir. O Carlos Eduardo Miranda estava lá também e quis contratar os guris. Falei com meu pai, que é advogado, e fui na gravadora. Ou eles gravavam logo o CD, ou encerrava o contrato. Fiz como meu pai disse pra fazer, saí de lá e fui direto na Trama. Fomos pra São Paulo, gravamos tudo de novo em um mês e meio. E finalmente saiu o CD pela Trama. Meses depois eles me demitiram. Mas eu continuei. O Xis me contratou pra produzir ele aqui no RS. Esses dias eu fiz uma lista com todos artistas que já trabalhei. Foram 76 shows de artistas diferentes em 12 anos.
Fabiana tem 36 anos. Mora num apartamento em um gigantesco condomínio no bairro Jardim Botânico, ao lado da Escola Superior de Educação Física da UFRGS. "Vou te esperar com um café", me diz pouco antes de eu sair de casa. Em alguns momentos da conversa, fomos interrompido pelo celular dela. A menina que cuida de seu filho quer saber se Fabiana está em casa, pois está sem chave. São seis horas da tarde quando chegam os dois. Pedro é um bonito e divertido menino de oito anos de idade. A mãe pergunta se tem tema de casa pra fazer. "Só as sete horas", desvia-se Pedro do obstáculo que impede de usar o computador.
O Instituto Trocando Idéia existe desde quando?
Desde 1996. A partir de 1999 começamos o Festival Trocando Idéia, que se realiza anualmente, exceto ano passado por falta de patrocínio, e que estamos captando pra que este ano aconteça.
Faltou muita grana pro festival sair ano passado?
Escrevemos em vários editais da Fundação Moreira Salles, da Petrobras, apresentamos pra empresas, mas penso que ainda temos no Brasil uma dificuldade de entendimento da abrangência da arte de rua. Ela está hoje nos comerciais de tv, feita nas agências por publicitários, mas esta exposição não retorna pra quem faz ela na rua. O Trocando Idéia é um encontro, com shows, exposição e oficinas, todas atividades gratuitas, e no último o público foi em três dias de 12 mil pessoas. Jovens do Brasil, foram oito estados presentes, e da América Latina, que se fez presente duas vezes com participantes do Chile, Argentina e Paraguai.
Mas o instituto funciona o ano todo né?
O Trocando Idéia é um associação que tem seis pessoas trabalhando. A gente sabe que em tal lugar tem uma escola de samba com telecentro, que noutro lugar tem uma escola de dança. Então tentamos fazer com que essas pessoas tenham mais informação e que conheçam outras pessoas pra trabalhar juntas.
E teus outros projetos, como o Identidade de Rua?
Tem o Identidade de Rua, há quatro anos, no qual pintamos os trens do Trensurb. Pra fazer as pinturas dos trens foi um ano de convencimento. Uma vez por mês eu ia lá e dizia pra Cristina, chefe de comunicação do Trensurb, que o projeto era legal, mostrava fotos e currículo dos artistas. E eles com medo de fazer aquilo. Voltava no outro mês e no outro até convencer o presidente que ia ser legal. Fizemos a pintura do primeiro trem. O Trensurb foi indicado pra um prêmio na ONU de boas práticas públicas. Aí eles viram que teve um retorno, que as pessoas falavam. Fizemos de novo, mas não só nos trens, pois a proposta é usar o grafite pra fazer suportes diversos. Então teve um leilão de tela grafitada no Santander Cultural; a Ativa liberou as cabines telefônicas, etc. Pra este ano terá um tema e serão pintadas as estações do Trensurb.
E o projeto Palavra?
Os artistas vão em lugares como bibliotecas públicas ou associações, onde lêem suas letras e conversam com as pessoas. A gente está tentando dar uma identidade pra todos esses projetos, tipo num mesmo ano tratar de um mesmo tema. Então o Identidade deste ano vai ser o livro e a leitura. Quando eu fui no Trensurb contar isso, me disseram que estão criando uma biblioteca dentro de uma estação de trem. Fechou tudo! Vamos fazer de novo! Mas até agora eu não tenho cachê pra ninguém. Tem tinta, tem vontade, mas ninguém está ganhando dinheiro até agora. Então tem um tempo ainda pra correr atrás de um cachê pros artistas. É muito difícil fazer esse projeto, ficar escrevendo o tempo todo, achar edital.
E as ferramentas tecnológicas de hoje, se por um lado ajudam a divulgar o trabalho de forma mais rápida e fácil, por outro ainda estamos aprendendo como tirar grana através desses novos conceitos de produção e distribuição. Está mais difícil e fácil ao mesmo tempo?
Sempre foi difícil, não é uma coisa de agora. O que facilita é que temos mais ferramentas pra dizer o que está fazendo e que precisa de dinheiro pra fazer isso. Já cansei de ouvir as empresas dizerem "ah, eu quero". Aí a gente pára, faz um projeto, pega currículo de todo mundo, faz orçamento e apresenta. "Ah, a gente não quer mais, mudamos o foco semana passada numa reunião". Artista e produtor cultural são guerreiros.
Nossa conversa se deu um dia antes de Fabiana ir viajar pro Recife, onde participou do Festival Abril Pro Rock deste ano. Além de CDs, resenhas, projetos e idéias, Fabiana carrega o acentuado sotaque 'e', típico dos habitantes da fronteira gaúcha com Argentina e Uruguai. Ela conta que quando morava lá, era mais fácil ir pra Montevideo e Buenos Aires do que vir para Porto Alegre, por causa da distância. Tive sorte, pois se bobeasse mais um dia pra entrar em contato, perderia a oportunidade deste papo interessante.
O que você vai fazer no Abril Pro Rock?
Vou pro Recife pois inscrevi o Trocando Idéia pra participar daAbrafin. O Trocando Idéia é o único festival de hip-hop no Brasil com tanto tempo. Quando vi que lá estarão o pessoal dos festivais e como eu me envolvo com muitos artistas, eu preparei um material de oito artistas pra levar, pois os festivais de rock começaram a abrir pra outros estilos musicais. Minha proposta vai ser que alguns possam ter um palco alternativo de rap e hip-hop. Vai ter muita gente interessante por lá pra manter contato pra depois continuar a conversa.
Você está levando material de oito artistas daqui?
Não, não são todos daqui. Como faz bastante tempo que trabalho com rap, eu acabo trabalhando com gente de tudo que é lugar. Eu tenho um contato no Chile, e eu distribuo as músicas deles aqui no Brasil. Por exemplo, o Moleque de Rua, que é uma banda que já tem muitos anos, eles há quase dez anos ficam seis meses por ano na Europa fazendo shows, e aqui eles não fazem shows. A intenção é conseguir shows pra eles no Brasil. Além do Moleque de Rua, levarei o Proffeta, o Solo Damant, e o Emepê 4, todos de Porto Alegre.
Sim, mas você vai levar somente material né, não vai levar artistas?
Eu fiz um CD com um encarte, onde tem duas músicas e uma página de cada artista, que vou entregar pras pessoas. Tem também uma página falando o que é o Trocando Idéia. E uma trilha do espetáculo de um grupo de break, o Hackers Crew, primeira companhia de dança de rua indicada ao Prêmio Açorianos de 2006 em três categorias.
Você ainda é produtora de bandas?
Não produzo mais.
Por que não?
É um saco, é muito chato, é muito trabalhoso. Eu trabalhei três anos com o Da Guedes. Foram três anos até conseguir a gravadora, pra começar a conhecerem o som deles.
A última vez que eu havia encontrado Fabiana foi dentro do estúdio da rádio Ipanema FM, por poucos minutos. Tejo Damasceno, do Coletivo Instituto, e eu estávamos saindo do ar, depois de uma entrevista no programa do Piá, enquanto ela entrava com um pelotão de mulheres. Elas estavam lá pra divulgar o Universo Feminino 2008, evento que promove e discute as ações das mulheres. Antes de eu sair do estúdio, Fabiana me disse que estava indo pra França novamente.
Como começou esse intercâmbio com a França?
A gente começou nas edições do Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Eu fazia a parte cultural do palco do Movimento Nacional de Luta pela Moradia. Então tinha um espaço chamado No Vox, que era para os sem-documentos, os sem-tetos, os sem-terras, pessoal do Japão, França e Estados Unidos. Conheci o MNLM através de um produtor francês, chamado Jaques Pasquier, ex-empresário do The Doors, o cara que faz a programação do Fórum Social Europeu. Ele me disse que precisava de alguém que fizesse a estrutura e que montasse a programação. Eu montei tudo isso. Dentro desse espaço tivemos uma reunião mundial do Trocando Idéia, na mesma época que estávamos organizando o festival pra sair aqui do RS, pois tinha gente pedindo. Naquele espaço tinha muitas pessoas, produtores culturais e tal. O Jaques me propôs montar algo pra levar essas pessoas pra França, pra mostrar o hip-hop do Brasil lá. A gente ficou três anos conversando. Mas começou mesmo a andar ano passado. Fomos eu e dois artistas da Hackers Crew. Foi muito legal, o retorno foi ótimo pra essa associação da França - Les Gamins de l’Art Rue -, pois eles viram o trabalho de crianças com idade entre 12 e 14 anos, em quatro cidades. Deu tudo certo. Agora eu vou com 12 pessoas.
Que semelhanças e diferenças você notou entre as periferias francesas e brasileiras? E qual o grande problema deles?
O problema deles é trabalho, né. Os caras não tem trabalho, pois eles não têm papel. São os sem-papel, que fazem parte do No Vox. Eles têm identidade, mas não podem trabalhar, não podem se formalizar no país. A periferia da França é feita de imigrantes. Paris pra mim foi reveladora. Em volta da Torre Eiffel, naquele centrinho ali, é tudo muito branco, limpo, cheiroso. Aí tu vai indo e vai ficando mais preto, mais turco, mais marroquino, mais sujo, mais pichado, mais pessoas na rua, mais bolinhos de pessoas conversando, mais tráfico. Quanto mais pra longe do centro, mais se acentuam as diferenças sociais. E a Les Gamins de l’Art Rue aproximam jovens de periferias pra conversarem e tentar achar o que tem em comum e quais as lutas que se fazem pra que isso possa se tornar visível.
Pergunto se falta algo que não perguntei. Ela me tranquiliza. Nas quase três horas que tivemos de papo, o som que vinha do computador é basicamente rap. Fabiana me diz que ouve muito rap, mas também curte outros gêneros musicais. Só não se acostumou nem consegue gostar de música eletrônica, "destas que tocam nas raves, me dizem que é legal, pra eu prestar atenção, mas não adianta". No computador, Fabiana me mostra fotos da França, conta dos carros que são grafitados espontaneamente por artistas de rua e sem a permissão dos donos. Relata os casos de rebeldia francesa: "eles murcham ou furam os quatro pneus de um carro de luxo com o objetivo de conseguir mais empregos pra borracheiros". Tomo um copo d'água antes de ir embora. Pedro sorri: "mas essa água aí é da torneira". Não faz mal garoto. Eu queria matar era a sede de informação.
kqqb4c4r
ResponderExcluirtz6xa720
f39s020t9d
gcrb2xqt
l9l7swu2
q6566acg
ResponderExcluirblmyg5ov
f54yewr4t536
gjqxuoel
b71vvrhq
whxubew1
ResponderExcluiretvm746v
f54yewr4t536
elyrfcv0
h36x1psf